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Persona subverte sua própria interpretação. E isso é incrível!

Assisti pela primeira vez ao filme “Persona” de Ingmar Bergman. Queria muito escrever algo sobre ele, sobre seus significados, mas as palavras não vêm. A cada vez que eu penso nesse filme, minhas ideias mudam, minha interpretação muda e minha admiração aumenta. Persona é o tipo de filme que te faz pensar até onde podemos entender uma obra, mas também te lembra que a arte nunca vai ser completamente compreendida e é por isso que ela é imortal, é por isso que o tempo não a atinge e é por isso que, 58 anos depois, cá estamos, falando de Persona. Esse filme, além de muitas outras coisas, me fez refletir sobre a interpretação.

Muitos filmes hoje em dia são autoexplicativos e, além disso, existe uma “indústria” na internet dedicada a “explicar” as obras. É impossível não utilizar aspas aqui, pois este “explicar” significa, em grande parte das vezes, te fazer engolir uma interpretação unilateral de uma obra de arte, de um filme ou de qualquer coisa que seja. Mas se tem algo que Persona não é, é unilateral.

Bergman inicia com uma sequência bizarra que faz referência ao cinema (será?), com flashs estranhos e momentos nada confortáveis – tipo uma cena onde um cara está supostamente sendo crucificado e vemos o momento em que o martelo acerta o prego em sua mão. Urrhg. Ou um flash rápido de um pênis na tela – seria Bergman sugerindo que ele iria foder com a nossa mente? hahaha, não sei. Mas eu acho engraçado enxergar dessa forma.

O fim do prólogo, esse sim, traz uma luz de compreensão: um garoto, em frente a uma grande tela onde dois rostos se unificam, admirando o que vê e tentando tocá-la. Tentando alcançar algo que não vai conseguir.

Persona
Persona

De forma resumida, Persona segue a relação entre a enfermeira Alma e a atriz Elisabeth, que após um determinado momento de sua vida, decidiu nunca mais falar mais nada. Ela se mantém muda, apesar de, como sugerido no filme, estar bem “mental e fisicamente”. Cabe à Alma cuidar e tratar de Elisabeth. E é aí que começa o labirinto.

À medida que as duas mulheres passam um tempo juntas numa casa de praia isolada, as suas identidades começam a se confundir e a linha entre elas se torna cada vez mais tênue. O filme aborda temas de identidade, personalidade, comunicação e essa própria linha entre realidade e ilusão. Ele desafia o público a questionar a natureza do eu e as formas como os indivíduos constroem e desconstroem as suas próprias identidades.

“Você não acha que eu entendo? O sonho desesperado de ser. Não parecer, mas ser. Consciente a cada momento. Vigilante. Ao mesmo tempo, o abismo entre o que você é para os outros e para si mesma. A sensação de vertigem e o desejo constante de finalmente ser exposta – de ser vista, cortada, talvez até aniquilada.”

Persona, Ingmar Bergman.

Persona

O lugar da Interpretação

No meu artigo sobre Blow Up eu comentei sobre como esse filme é uma interpretação e, ao mesmo tempo, um filme sobre a interpretação. Em Blow Up, o fotógrafo Thomas, após registrar um casal em uma praça, passa a interpretar sua fotografia como uma evidência de possível crime que ele, na sua perspectiva, acabou evitando. Blow Up é baseado em outra obra, portanto, o filme em si é uma interpretação do diretor Michelangelo Antonioni sobre o conteúdo fonte, ao mesmo tempo em que Thomas, personagem do filme, passa toda a narrativa buscando comprovar o que ele interpretou.

Quando eu penso em Persona, tão recente em minha memória, penso em como estamos há tantos anos reinterpretando esse filme. Projetando nossas próprias imaginações nele. Alma e Elisabeth são a mesma pessoa? Ou são dois lados de uma mesma moeda? O que sabemos é que uma se projeta na outra, da mesma forma que nós, como público, projetamos nossas interpretações nessa obra.

A arte, em todas as suas formas, é subjetiva à percepção humana. Uma única obra de arte pode provocar infinitas emoções, pensamentos e interpretações. Isso, pois nós, humanos, somos muito parecidos em muitos aspectos, mas temos percepções e experiências únicas. A arte transcende os limites da realidade e até mesmo da lógica, transformando nossa relação com ela em algo extremamente particular – quando nos propomos a isso.

Quando olhamos para uma pintura, uma escultura ou assistimos a um filme, trazemos para aquele momento as nossas próprias experiências de vida. A consequência disso é que, o que uma pessoa percebe como bonito ou intrigante, pode ser desconfortável e feio para outra. O sorriso da Mona Lisa é um símbolo de mistério para muitos, enquanto, para outros, é algo totalmente incompreensível.

Persona pode soar intrigante para uns e desconfortável para outros. Ou até mesmo tudo isso ao mesmo tempo. A subjetividade oferece infinitas possibilidades de interpretação e nenhuma é 100% correta ou errada. Talvez, somente Ingmar Bergman tenha a real interpretação sobre esse filme, mas acho que não é isso o que ele quer transmitir também. Em uma entrevista à Bert Cardullo, no livro “Soundings on Cinema : Speaking to Film and Film Artists“, Ingmar fala sobre suas expectativas em relação ao público sobre sua obra.

“De qualquer forma, não é tão importante que uma pessoa que veja um de meus filmes entenda, na cabeça, da mesma forma como ela entende no coração. Isto é o que importa. Eu nunca quis fazer filmes meramente intelectuais. Eu queria que o público sentisse, e percebesse meus filmes.”

Ingmar Bergman com Bibi Andersson e Liv Ullmann em Persona (1966).

Isso me faz lembrar o porque eu achei Persona um filme tão marcante: Não pela sua interpretação, mas pela experiência em testemunhar algo tão intrigante. Uma experiência assustadora e confusa, mas bonita. É a arte na sua forma mais pura. Difícil e simples, tudo e nada. É o que é, e é o que queremos que seja.

E eu sinceramente acho todo esse caos algo maravilhoso.

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Material de Referência

1 – Persona (1966), Ingmar Bergman.

2 – Soundings on Cinema : Speaking to Film and Film Artists, Bert Cardullo.

3 – Blow-Up: A relação do homem com a realidade, Olhe Novamente.

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