Ensaios

Nossa Relação Com a Crítica e a Invisível Ignorância Pluralista

Confesso que quando comecei a escrever aqui no site eu não tinha muita noção ou ideia do que exatamente escrever ou, principalmente, como escrever. Sabe, não é simplesmente sentar e começar a vomitar um monte de palavras. Quer dizer, talvez até possa funcionar dessa forma, mas é não a maneira como eu quero criar meu conteúdo aqui. De qualquer forma, a gente acaba sempre se inspirando em alguma coisa para criar outras. É como disse Carl Sagan: “Se quiser fazer uma torta de maça do zero, terá que primeiro inventar o universo”. Ainda que essa frase não seja exatamente sobre inspirações, ela sempre me remete ao fato de que nós não somos tão originais assim, já que para a maioria das coisas, alguém já criou aquilo antes.

Minhas inspirações, de certa maneira, sempre foram as críticas, especialmente quando eu me proponho a falar de filmes aqui. Eu não costumo chamar meus textos de “crítica”, mas você pode chamá-los assim, se preferir. O lance é que, de fato, ler críticas me ajuda bastante a sedimentar uma linha de raciocínio que eu havia pensado previamente. Às vezes, inclusive, mudam minha opinião. E talvez esse seja o maior poder da crítica hoje em dia: sua capacidade extraordinária de não somente mudar opiniões, mas também moldar opiniões. Ou seja, a crítica influencia nossa visão sobre determinada obra e, industrialmente falando, ela se torna muito valiosa. Ainda mais no momento em que vivemos, onde qualquer pessoa é uma potencial crítica de cinema na internet. São milhares de críticas e resenhas sobre filmes sendo postadas diariamente, especialmente quando estamos falando de grandes produções. E não me entenda mal, eu não acho isso ruim, existe uma diversificação de visões e opiniões que é super legal e saudável – é o que eu tento trazer aqui para a página. Mas, ao mesmo tempo, pode ser fácil se afogar nesse mar de opiniões. Aliás, esse é um mar bem agitado e é mais provável sermos arrastados por suas ondas do que tomarmos uma direção mais autêntica ou que faça sentido para a gente.

Tá, mas vamos falar um pouquinho mais sobre a indústria.

Antes de mais nada, as resenhas ou críticas de filmes tem um potencial enorme de nos convencer a pensar em algo da mesma forma que quem escreveu pensa sobre aquilo que escreveu. Isso vale para qualquer coisa, por exemplo, se um analista de produto diz que um determinado produto é de má qualidade, então tendemos a pensar nesse produto da mesma forma que eles.

“Ah, mas eu não sou assim!”. Talvez VOCÊ não, caro leitor, mas quando falamos de ‘massas’, é mais ou menos assim que ocorre.

É tipo agricultura. O solo é a nossa mente. As sementes que estão sendo plantadas nele é o que você lê na crítica daquele filme que você quer ver no fim de semana. E finalmente, a colheita é o que pensamos daquilo depois que a gente viu. Desculpa se eu só compliquei ainda mais as coisas.

O resultado disso é que os críticos acabam desempenhando um papel significativo no sucesso de um filme. Suas críticas e classificações podem influenciar a percepção do público e, potencialmente, determinar se ele se tornará ou não um sucesso de bilheteria. Críticas positivas e classificações altas de críticos respeitáveis ​​podem gerar engajamento e criar entusiasmo em torno de um filme, levando ao aumento das vendas de ingressos. Por outro lado, as críticas negativas podem desencorajar os espectadores em potencial e prejudicar o desempenho de bilheteria de um filme. Um filme bem avaliado pela crítica tem maior probabilidade de ser visto como “imperdível” e atrair um público mais amplo. E, claro, dependendo do poder de influência do crítico ou do portal, a indústria sobe em cima, já que a opinião dessa galera tem um impacto financeiro importantíssimo a ser considerado.

Crítica e Impacto Financeiro
Por: American Film Market

Pegue o Rotten Tomatoes, por exemplo. Abreviado por ‘RT’, esse é um site mundialmente conhecido de críticas de cinema e televisão. Ele coleta avaliações da crítica e do público e atribui uma pontuação com base na porcentagem de avaliações positivas, o “tomatômetro”. Imagine um filme recém estreado e com uma boa porcentagem no portal. Sabe o que acontece? Os estúdios de cinema colocam esse resultado em tudo quanto é anúncio, mesmo que a porcentagem não seja tão alta quanto eles gostariam, pois, no fim, tudo o que você cinéfilo precisa saber é que este filme foi declarado BOM por um conjunto de críticos profissionais.

Lembra que falei lá em cima que hoje em dia qualquer pessoa é uma potencial crítica de filmes? Pois então, se expor online, ainda que seja em níveis comuns como, por exemplo, dizer sua opinião sobre um filme, tem se tornado cada vez mais desafiador devido às proporções negativas que determinados posicionamentos geram. Se você expõe uma opinião contrária ao que a maioria pensa, prepare-se para ser atacado por isso.

Crítica
Madame Teia de fato não me ganhou, mas o fracasso do filme não justifica a reação pública frente à opinião do Hessel.

E não quer dizer que devemos invalidar a opinião majoritária. Às vezes vemos pérolas por aí mesmo, o ponto aqui é que as críticas e a zoação que deveriam ser saudáveis se tornam ofensas totalmente desproporcionais, o que faz com que muitas pessoas ou novos críticos optem por seguir a opinião majoritária ao invés de se arriscar a ser mais autêntico, mesmo que elas não concordem com aquilo que elas mesmas estão postando. Não só pelo medo do cancelamento, mas também pelo fato de achar que todas as outras pessoas pensam o mesmo, portanto essa deve ser a forma correta de pensar e se expor. Existe um nome para isso: chamamos de Ignorância Pluralista (ou Pluralística) e ela se correlaciona bem com esse assunto.

A Ignorância Pluralista é a tendência humana de buscar confirmação de crenças preexistentes e evitar a exposição a novas informações que desafiem essas crenças. Isso cria bolhas cognitivas, onde indivíduos se veem cercados por perspectivas semelhantes, resultando em uma compreensão limitada e muitas vezes distorcida da realidade.

Qual sua relação com a crítica, então? Bom, vamos pegar um cenário em que um filme receba críticas mistas. Algumas pessoas realmente não gostam, mas como veem uma pontuação alta no Rotten Tomatoes, por exemplo, presumem que todo mundo adora. Essas pessoas podem então se sentir pressionadas a se conformar com a maioria, criando novas críticas positivas ou fingindo que gostaram do filme, quando, na verdade, sentem o contrário. Aí entra o conceito de ignorância pluralista, onde os indivíduos concordam com uma opinião majoritária percebida, mesmo que isso contradiga os seus próprios sentimentos e até mesmo valores. E é claro que a indústria e os estúdios sabem disso.

Esse fenômeno vai de encontro também com a rapidez com que um filme sobre o qual as pessoas parecem não ter nenhuma opinião forte pode se tornar um queridinho da crítica – ou pelo menos parecer um. E a razão pela qual os departamentos de marketing promovem sites como o Rotten Tomatoes é porque ele sinaliza ao público que eles (ou seja, você e eu) também deveriam gostar do filme. E acredite ou não, isso funciona. A maioria das pessoas quer se adaptar e se sentir pertencente a um meio, e validar algo “pré-aprovado” é talvez uma das maneiras mais fáceis de fazer isso. Você nem precisa ver o filme, se não quiser – você só precisa twittar sobre ele conforme todos ao seu redor.

Ah! Isso não se resume ao cinema ou a somente o campo artístico não, viu? A ignorância pluralista é uma barreira para a conscientização sobre mudanças climáticas, políticas humanas, dentre outras coisas com as quais temos que lidar no nosso dia a dia.

Pensando assim e avaliando o ambiente virtual que temos hoje, é tranquilo concluir a partir de tudo o que escrevi aqui que, bem, estamos bem fodidos então, né? Talvez estejamos mesmo, mas não é minha intenção causar esse sentimento. De verdade.

Vou retomar a ignorância pluralista como exemplo. Reconhecer e enfrentar esse fenômeno é fundamental para promover uma sociedade mais inclusiva e informada. E a educação desempenha um papel crucial nesse processo, através do incentivo ao diálogo, a empatia e a busca constante por diferentes perspectivas (Olhe Novamente! XD). Quando a gente valoriza essas habilidades, caminhamos para uma sociedade mais capaz de lidar com a diversidade de opiniões e compreender melhor a arte ao nosso redor. Nenhuma arte está imune às críticas – nem deveriam! Mas opiniões merecem ser respeitadas. Opiniões pautadas no respeito à liberdade e direito de existência do coleguinha hein! Falas racistas ou preconceituosas de qualquer natureza DEVEM SEMPRE ser rechaçadas. Isso deveria ser óbvio.

Mas e os críticos hein? Quem critica essa galera?

Quem Corta o Cabelo do Cabeleireiro?

O número de pessoas que leem resenhas está na casa dos milhões, eu mesmo me incluo nessa galera. Uma review em sites como o IMDB e o Rotten Tomatoes molda milhões de opiniões, goste você ou não desses canais. É claro que eles não definem “de verdade” se o filme é legal ou não, no fim, o que vale é a sua identificação com aquela história.

Eu particularmente acho que não há trabalho melhor do que o de um crítico de cinema profissional. Sério! São pessoas que assistem e escrevem sobre filmes. O público pode confiar neles para lhes dizer se um filme vale ou não a pena. É uma troca muito bonita se parar para pensar. Eu tenho meus críticos favoritos, como o Pablo Villaça e o Philippe Leão, por exemplo. São caras cuja visão vai além das telas, cujos pensamentos se refletem no meio social e cultural. Aprendo muito com ambos, mas não acompanho somente o trabalho desses caras. 

Recentemente eu vi um post no Instagram de uma página excelente chamada “Narrativamente” (@narrativa.mente), escrita pelo Júlio. O Júlio explicou de forma bem sucinta como não existe crítica imparcial. Super concordo! Pode parecer simples, mas isso fez muito sentido para mim. E acho que essa reflexão me ajuda a responder à pergunta desse pedaço do meu texto.

Quem critica os críticos? Leitor, o crítico, como qualquer outro ser humano, tem em suas avaliações fortes influências de suas próprias opiniões pessoais. Não existe um padrão absoluto para julgar um filme e os críticos independentes também devem enfrentar o fato de que a impressão final do espectador depende apenas deles. Portanto, cabe a nós escolhermos que tipo de crítica queremos consumir. E quando digo nós, incluo leitores e críticos – é um ciclo onde um alimenta o outro.

Vivemos em bolhas, cada um onde se sente mais confortável e, por mais que entendamos a importância de olhar para fora, não dá para negar o fato de que enxergamos nos nossos críticos favoritos um reflexo dos nossos próprios pensamentos, não só no cinema, mas no dia a dia. Quando leio ou vejo um vídeo do Pablo, por exemplo, vejo em suas palavras alguns valores que eu carrego. Portanto, avaliar criticamente o crítico é um ato saudável e que também ajuda a construir uma sociedade melhor.

Eu, pelo menos, boto muita fé nisso.

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Obrigado por chegar até aqui! Espero que tenha gostado do papo e te convido a dar uma olhada nos outros textos do blog. Um forte abraço!

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Material de Referência

1 – American Film Market, “DO GOOD REVIEWS LEAD TO A HIGHER CHANCE OF FINANCIAL SUCCESS?” (https://americanfilmmarket.com/do-good-reviews-matter/#:~:text=Of%20the%20films%20with%20the,of%20profitability%20is%20not%20uniform.)

2 – Wikipédia, “Ignorância Pluralística” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ignor%C3%A2ncia_plural%C3%ADstica)

3 – FourWeekMBA, “Ignorância Pluralista” (https://fourweekmba.com/pt/ignor%C3%A2ncia-pluralista/)

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