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Nota do Editor #6: Éowyn e o Rei Bruxo

Eu não estava preparado para Éowyn derrotando o Rei Bruxo na primeira vez que vi aquela cena. Poucos estavam, ou não teria levado anos para que ela recebesse o reconhecimento que realmente merece como um dos momentos mais triunfantes de O Senhor dos Anéis. Isso não quer dizer que eu não tenha gostado. Tem como não gostar de ver uma nobre transformada em guerreira derrubar o maior dos tenentes de Sauron? Eu admirei o espetáculo, a ousadia dela ao se manter firme quando até mesmo o poderoso Rei Théoden estava caído. Fiquei impressionado com a determinação em sua voz, com a forma como Miranda Otto disse “Eu não sou um homem” com uma convicção que até hoje me causa arrepios. Ainda assim, o significado mais profundo desse momento me escapou na época.

Eu era adolescente quando assisti O Retorno do Rei pela primeira vez, fascinado pelas cenas de batalha, mais focado na investida de Aragorn no Portão Negro ou na escalada final de Frodo ao Monte da Perdição. A vitória de Éowyn era empolgante, mas eu ainda não entendia por que ela importava tanto.

Quando eu era moleque, heroínas de fantasia raramente se pareciam com Éowyn. As que me chamavam mais atenção eram geralmente feiticeiras ou assassinas de capa de couro – personagens cujo poder vinha da magia ou do mistério. Uma mulher em uma armadura reluzente, brandindo uma espada com a mesma habilidade que qualquer homem? Aquilo era diferente. Mas, por mais que eu a admirasse, eu não entendia completamente o peso de sua história. Seu desespero por ter sido deixada para trás em As Duas Torres, sua frustração ao ser informada de que não podia lutar, a forma como cavalgou para a batalha mesmo assim – não porque não tinha nada a perder, mas porque tinha tudo a provar. Na época, vi sua vitória apenas como mais uma cena de luta incrível. Eu não percebia que era o ápice de uma vida inteira sendo subestimada.

Só anos depois, revendo a trilogia com um novo olhar, é que o momento de Éowyn me atingiu como deveria ter feito da primeira vez. Talvez em 2003 ainda não estivéssemos prontos para entender como aquela cena falava sobre desafiar a opressão sistêmica, sobre uma mulher se recusando a aceitar as limitações impostas a ela. Afinal, ainda vivíamos em uma era onde personagens femininas em histórias de fantasia eram escassas, muitas vezes relegadas a interesses românticos ou meros dispositivos de enredo. Éowyn era diferente. Ela era uma mulher que queria mais, que se recusava a ser confinada a uma vida de espera e preocupação enquanto os homens iam para a guerra. Quando o Rei Bruxo diz “Nenhum homem pode me matar”, não é apenas uma profecia que ela está quebrando, são séculos de expectativas, de desprezo, de ouvirem que mulheres não pertencem ao campo de batalha.

Apesar de ser um dos momentos mais icônicos da trilogia, a derrota do Rei Bruxo por Éowyn sempre me pareceu uma conquista subestimada. Nos últimos anos, à medida que as discussões sobre representação e protagonismo feminino na fantasia se tornaram mais relevantes, essa cena ganhou mais forca na consciência coletiva. Sua postura de batalha imortalizada em ilustrações, suas palavras desafiadoras citadas em debates sobre narrativas feministas. A cena se tornou um símbolo de resistência, uma imagem que ressoa ainda mais profundamente hoje do que naquela época. E isso é muito bom.

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