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Nota do Editor #5: E o Oscar vai para…

Eu adoro assistir futebol. Sou Cruzeirense apaixonado mas, desde pequeno, acompanho também o futebol europeu, especialmente a Champions League e os jogos do Liverpool. A Europa sempre foi vista como os “Elísios”, o lugar onde os deuses estão, onde jogam os ditos melhores jogadores do mundo. Narrativas têm poder, e eu tendo a acreditar na teoria de que, se você insistir em uma história por tempo o suficiente, ela eventualmente se torna verdade. O resultado disso é que é extremamente improvável um jogador que não atua na Europa ser reconhecido como “o melhor do mundo”.

O curioso é que esse mesmo fenômeno acontece no cinema. Hollywood se posicionou ao longo das décadas como o grande centro da produção cinematográfica mundial, estabelecendo seus próprios critérios de excelência e sua própria lógica de premiação. O Oscar, por exemplo, é vendido como a maior honraria do cinema, e um filme produzido fora do eixo norte-americano quase sempre entra na disputa como um “intruso”, relegado à categoria de Filme Internacional. Da mesma forma que um craque sul-americano precisa atravessar o Atlântico para ser levado a sério no futebol, um diretor ou ator fora do circuito hollywoodiano precisa de reconhecimento prévio na Europa ou nos EUA para ter qualquer chance real de disputar os maiores prêmios da indústria.

Assim como o futebol europeu concentra os principais títulos individuais e os clubes mais ricos, Hollywood acumula as maiores bilheteiras, os orçamentos mais altos e o controle sobre o que é considerado relevante no cinema global. E, no fim das contas, essa hegemonia se sustenta não apenas pelo dinheiro ou pela qualidade, mas pela força da narrativa.

Esse fenômeno, no entanto, vai além do esporte e do cinema. Ele reflete um padrão mais amplo de centralização do prestígio e da influência cultural em determinados polos geográficos, que moldam nossa percepção do que é excelência. No futebol, na sétima arte, na música e até na ciência, existe uma construção simbólica que coloca certos lugares como berços naturais do talento e da inovação, enquanto outros são vistos como periféricos, dependentes de validação externa para serem legitimados.

O impacto social disso é profundo. Se apenas um seleto grupo de países ou instituições tem o poder de ditar o que é “o melhor”, os demais passam a enxergar sua própria produção como inferior ou incompleta. Isso gera um ciclo de autoexclusão, onde os talentos locais, em vez de serem valorizados dentro de seus próprios contextos, precisam buscar a chancela de um centro de poder para terem seu valor reconhecido. No futebol, isso significa que um jovem craque brasileiro ou argentino sonha mais em brilhar na Champions League do que em fazer história em seu próprio campeonato nacional. No cinema, diretores e roteiristas muitas vezes se veem pressionados a adaptar sua linguagem e temáticas para agradar ao olhar do mercado norte-americano.

Quando ainda brilhava em solo brasileiro, Neymar já era aconselhado a deixar o país para se tornar o melhor jogador do mundo – jogando na Europa.

Cognitivamente, essa estrutura reforça vieses e limita nossa percepção do mundo. Se as histórias que consumimos e os ídolos que admiramos vêm sempre dos mesmos lugares, acabamos por internalizar a ideia de que a excelência só pode vir dali. Isso impacta nossas aspirações e até nossa identidade cultural, criando um processo de alienação no qual o que é “nosso” parece sempre provisório, transitório, enquanto o que vem de fora é definitivo e canônico.

No entanto, há brechas nesse sistema. No futebol, vemos tentativas de valorização das ligas locais e do talento caseiro. No cinema, movimentos como o “Novo Cinema Coreano” e a ascensão de produções latino-americanas, com destaque para o filme brasileiro “Ainda estou aqui” de 2024, mostram que é possível furar a bolha e redefinir os critérios de reconhecimento. Mas para que isso se torne uma mudança estrutural e não apenas exceções pontuais, é preciso um esforço consciente para romper com as narrativas estabelecidas e reconstruir nossas referências. Porque, no fim das contas, a história que insistimos em contar por tempo suficiente também pode ser uma história de emancipação.

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