A Maior Luta de Vinland Saga Não É com Espadas, É Interna
Um guerreiro, um príncipe e um pacifista entram em um campo de batalha.
Esse é um jeito de ver o cenário de Vinland Saga, a adaptação em anime da épica história de Makoto Yukimura, que usa “guerra” de maneira brutalmente realista e “saga” de uma forma que remete não apenas aos vikings, mas ao peso do destino em si.
Eu descobri Vinland Saga depois que finalizei Vagabond e fiquei desesperado para ler coisas novas naquele estilo. O anime me foi recomendado por amigos que supõem que meus gostos tendem para o mais introspectivo, ou mais filosófico – Vagabond bebe muito disso. Posso dizer que me surpreendi positivamente! Essa é uma obra cheia de sangue e guerreiros endurecidos pelo tempo, uma das poucas que une drama histórico com ação shonen, uma série que veste sua brutalidade com a mesma honestidade de seus momentos de beleza e silencio.
Quanto mais eu assisto, mais entendo como essa história de vingança e redenção, onde a sede de sangue de um garoto é manipulada pelo próprio homem que matou seu pai, onde impérios mudam com a morte de soldados sem nome, e onde a ideia de um lugar pacífico permanece sempre distante, se tornou um espelho para o meu próprio sentido de propósito, em um mundo que constantemente nos força a pegar em armas, metafóricas ou não.

Vinland Saga começa com Thors, um guerreiro que abandonou o campo de batalha, sonhando com uma terra sem guerra. É um sonho simples, mas que o coloca em desacordo com o mundo que deixou para trás. Seu passado o alcança na forma de mercenários, liderados pelo astuto e enigmático Askeladd, que força um duelo que Thors se recusa a vencer. Quando Thors cai, seu filho, Thorfinn, assiste, sua inocência escorrendo como sangue na neve. Ele pega uma adaga e promete vingança.
Aqui é onde Vinland Saga se diferencia de outras séries. Em outra obra, a jornada de Thorfinn poderia ser de vingança rápida, de aprimoramento de habilidades e justiça triunfante. Mas esta é uma saga, e sagas nunca são tão limpas. Em vez disso, Thorfinn segue Askeladd, não como um vingador, mas como um cão mordendo os calcanhares de seu mestre, desafiando-o para duelos que não pode vencer, crescendo em um guerreiro que luta não por honra, não por propósito, mas simplesmente porque não sabe viver de outra maneira.
Quando assisti Vinland Saga pela primeira vez, achei que estava assistindo a uma história de vingança de amadurecimento, uma épica histórica com guerreiros endurecidos pelas batalhas, cujas trajetórias seriam medidas em duelos ganhos e perdidos. O que eu não esperava era uma reflexao sobre ciclos de violência, sobre o vazio da vingança e sobre como é difícil largar uma espada depois que ela moldou toda a sua existência.

O que significa ser forte? É o poder de tirar uma vida ou a habilidade de poupar uma? A vingança cura ou apodrece a alma? Vinland Saga faz essas perguntas sem respostas fáceis, por meio de personagens tão diferentes quanto o imprudente Thorfinn, o calculista Askeladd e o frágil, mas formidável, Príncipe Canuto. Suas histórias são movidas pela sobrevivência e pela guerra, mas, no final, são histórias sobre escolhas — sobre se nos tornamos as pessoas que esperamos ser, ou se podemos esculpir algo diferente mesmo em um solo tao ensanguentado abaixo de nós.
Askeladd, sempre sorrindo e inatingível, é o coração sombrio da primeira temporada, um antagonista que aos poucos se revela ser algo mais. Ele é um homem que joga todos os lados, que manipula reis e guerreiros, mas cujas ações são moldadas por seus próprios fantasmas, seu próprio sonho não cumprido de um mundo melhor. E, quando chega o momento de agir, de moldar a história em um movimento final e irreversível, não é por ouro ou poder — é por algo tão intangível quanto a ideia de lar.
Thorfinn, em contraste, passa grande parte da série lutando por algo que acredita que lhe dará paz, para perceber que se moldou em alguém incapaz de encontrar a paz. Seu crescimento não está em ganhar força, mas em perdê-la, em ser forçado a confrontar o vazio que a vingança deixou nele. A verdadeira batalha não é contra guerreiros, mas contra si mesmo.
E então há Canuto, o príncipe protegido que entra na história como um garoto trêmulo e incerto e emerge como um governante capaz de dobrar homens à sua vontade. Sua transformação é impressionante, não porque aprendeu a lutar, mas porque aprendeu a usar a crença como uma arma. Ele é o único que abraça plenamente o poder, e, ao fazer isso, mostra que os reis não são feitos por sangue, mas por convicção.

“Um mundo moldado pela guerra” certamente sempre pareceu ser a narrativa dominante quando assisti Vinland Saga, seja nos conflitos reais, nas turbulências políticas ou nas batalhas pessoais travadas dentro de minha própria mente. Perda, raiva, a questão de como seguir em frente sem se tornar algo irreconhecível — esses não são apenas temas de uma épica viking, mas realidades que ecoaram em minhas próprias experiências.
Assistir Thorfinn lutar para encontrar um significado além da vingança é desconfortavelmente familiar. Quando seu propósito foi moldado pela luta, o que acontece quando a luta termina? Você encontra um novo propósito ou cai no vazio? Enquanto Thorfinn vacilava por essas questões, eu também vacilava, à minha maneira.
Eu me vi atraído por histórias de guerreiros perdidos e governantes hesitantes, de pessoas que não buscaram grandeza, mas foram lançadas no peso da história, de qualquer forma. Como Thorfinn, procurei um significado, e como Askeladd, me perguntei se o caminho que eu estava trilhando algum dia realmente me levaria à paz.

Aqui é a parte em que falamos sobre como ninguém quer falar sobre guerra e perda, mas precisamos. Vinland Saga não foge do horror da batalha, nem a glorifica. Há momentos de ação, de espadas se chocando e duelos animados de tirar o fôlego, mas o peso de cada morte permanece.
Durante grande parte da minha vida, consumi mídias que enquadravam a força em termos simples — vitória, sobrevivência, a capacidade de lutar. Mas Vinland Saga desafia essa noção, mostrando que a força, às vezes, é a capacidade de afastar-se, de se recusar a balançar a lâmina, mesmo quando seus instintos gritam para fazer o contrário.
É por isso que a segunda temporada, muitas vezes recebida com surpresa ou hesitação, parece ser o verdadeiro coração da história. Após anos de guerra, Thorfinn se encontra não em um campo de batalha, mas em uma fazenda. Sua luta não é mais contra inimigos, mas contra si mesmo. Ele pode construir algo em vez de destruir? Pode forjar um futuro que não cheire a sangue? Os campos que ele arava são mais significativos do que qualquer espada que ele tenha empunhado, porque representam algo que ele nunca teve de fato: escolha.
Eu encontro consolo e alegria em histórias que não dão respostas fáceis. Vinland Saga não é sobre heróis ou vilões, mas sobre pessoas — falhas, desesperadas, buscando algo mais do que o ciclo em que nasceram. Em outro mundo, em outra vida, Thorfinn poderia ter permanecido um assassino. Mas ele não permanece. Ele escolhe algo diferente, algo mais difícil.
Eu penso nisso com frequência, sobre as escolhas que fazemos e os legados que deixamos para trás. Não vivemos na época dos vikings, mas ainda herdamos guerras, ainda carregamos velhas feridas. Vinland Saga me lembra que a maior luta não é a travada com espadas, mas a que travamos dentro de nós mesmos.
E, às vezes, deixar sua lâmina de lado é a coisa mais poderosa que você pode fazer.


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