A Artista Mulher e o Grande Ponto Cego da História da Arte
Eu não consegui nomear uma.
Houve um silêncio do meu lado, um momento constrangedor de hesitação antes de eu responder. Foi quando fui perguntado pela primeira vez para nomear uma artista mulher famosa da história, cujo trabalho tivesse sido amplamente celebrado ao lado de seus contemporâneos masculinos. Uma pintora, uma escultora, qualquer uma. Minha mente procurou por um nome, mas a verdade é que elas não foram as primeiras a virem à minha cabeça. Picasso, Da Vinci, Van Gogh, Pollock – esses nomes chegaram facilmente. Mulheres? Eu gaguejei. Talvez Frida Kahlo? Sim, mas ela foi mitificada, quase separada do mundo da arte e muitas vezes transformada em uma estética. Quem mais? Por que eu não conseguia me lembrar?
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Na Renascença, Artemisia Gentileschi pintou cenas de vingança bíblica, sua Judith decapitando Holofernes com uma força que nenhum homem havia retratado antes. No entanto, ela foi apagada, seu nome enterrado sob o peso da sombra de Caravaggio. Ela não era apenas uma pintora, era uma sobrevivente, tendo enfrentado traumas e usado sua arte para retomar seu poder. Mas a história não a elevou como fez com seus colegas homens.

Séculos depois, o movimento impressionista girava com as lírios d’água de Monet e as danças parisienses de Renoir, mas Berthe Morisot e Mary Cassatt continuaram a ser notas de rodapé em uma narrativa que ajudaram a moldar. Morisot capturou as vidas íntimas das mulheres com uma sensibilidade e brilho que rivalizavam com seus colegas homens. Cassatt retratou mãe e filho com uma profundidade emocional que desafiava as rígidas expectativas artísticas para as mulheres. No entanto, suas contribuições foram enquadradas como meramente complementares aos “verdadeiros” revolucionários do Impressionismo.


A história da arte, como foi contada, sempre foi incompleta. Não era que as mulheres não estivessem pintando, esculpindo, revolucionando, era que suas contribuições eram consideradas secundárias, seus nomes silenciados, suas obras descartadas como menores. As barreiras eram tanto institucionais quanto sociais. Durante séculos, as mulheres foram barradas de instituições artísticas. Elas foram negadas ao acesso ao nu masculino, um estudo fundamental no treinamento clássico. Disseram que seu papel era em casa, que sua arte deveria ser decorativa, modesta, silenciosa. Mas elas pintaram mesmo assim. Elas esculpiram. Elas desafiaram.
No século 20, os movimentos de vanguarda – Surrealismo, Dadaísmo, Expressionismo Abstrato – explodiram com experimentações radicais. Mas foram os homens cujos nomes se tornaram sinônimos de rebeldia. As goteiras de Pollock, os sonhos de Dalí, os ready-mades de Duchamp. Enquanto isso, Lee Krasner moldava o Expressionismo Abstrato ao lado de Pollock, frequentemente ofuscada pela mitologia do gênio de seu marido. As contribuições de Krasner não foram apenas de apoio, foram fundamentais. No entanto, por décadas, ela foi chamada principalmente de “Sra. Jackson Pollock”.
“Deixe-me colocar desta forma: não tem sido fácil. Mas ainda não tenho certeza, enquanto falo com você agora, se isso foi por eu ser uma artista mulher ou por ser a Sra. Jackson Pollock, de modo que sinto, nesse sentido, que é mais do que o que se conhece como uma carga dupla. Ou seja, se eu fosse Lee Krasner, mas nunca tivesse me casado com Jackson Pollock, teria tido a mesma experiência que tenho sendo a Sra. Jackson Pollock?”
– “Oral history interview with Lee Krasner, 1972”

Os mundos surreais de Leonora Carrington eram tão selvagens e visionários quanto os de Dalí, mas ela foi tratada como musa antes de ser reconhecida como artista. Suas pinturas, oníricas, cheias de mitologia e subtensões feministas, ofereciam uma alternativa ao olhar surrealista dominado pelos homens. O mesmo aconteceu com Dorothea Tanning, cujas obras equilibravam uma beleza estranha com profundidade psicológica.

Mesmo dentro da arte feminista, o reconhecimento veio lentamente. The Dinner Party (1979) de Judy Chicago tentou reescrever a história, montando uma mesa simbólica para mulheres esquecidas. Mas ainda assim, muitos nomes continuaram ausentes dos livros didáticos e das galerias. Onde estava Alma Thomas, cujas vibrantes pinturas abstratas quebraram barreiras como mulher negra no mundo da arte? Onde estava Ana Mendieta, cujo corpo se tornou a tela, cuja presença foi feita ausente cedo demais? Onde estava Ruth Asawa, cujas intrincadas esculturas de arame transformaram o espaço, mas que por anos foi considerada uma artesã e não uma artista plástica? Onde estava Augusta Savage, a escultora do Renascimento do Harlem que moldou o movimento, mas foi forçada a destruir suas obras mais famosas devido a dificuldades financeiras?
Onde estavam as mulheres indígenas, as mulheres de cor, as mulheres queer, as mulheres cujos trabalhos não se encaixavam dentro do cânone europeu tradicional? Sua ausência não foi por falta de talento ou ambição, mas devido a um sistema que se recusou a reconhecê-las.
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Estamos em um período de redescoberta agora. Os museus estão revisando suas coleções. Historiadores da arte estão desenterrando os nomes que nunca deveriam ter sido esquecidos. Hilma af Klint, antes uma mística desconhecida, agora é reconhecida por ter criado arte abstrata antes de Kandinsky. As colchas históricas de Faith Ringgold finalmente estão recebendo o mesmo respeito das pinturas históricas. As Guerrilla Girls passaram décadas expondo os preconceitos de gênero nas grandes instituições, com seus cartazes exigindo saber por que as mulheres ainda estão sub-representadas em galerias e leilões. Ainda há trabalho a ser feito, mas o mundo da arte está sendo forçado a confrontar suas omissões passadas.
A maré está mudando, mas ainda restam perguntas. Por que demorou tanto? Por que as artistas mulheres precisam ser ‘redescobertas’? Por que elas não fazem simplesmente parte do cânone, ensinadas como inherentemente valiosas, em vez de exceções ou correções?
Da próxima vez que me pedirem para nomear uma artista mulher, terei uma resposta. Muitas respostas. E eu as direi sem hesitação.

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Material de Referência
- Returning to Dialectics of Isolation : The Non-Aligned Movement, Imperial Feminism, and a Third Way, PANORAMA
- CAA conference presentation; 109th CAA Annual Conference 2021 – Sobre o pionerismo de Alma Thomas como artista negra.
- Dorothea Tanning: The Artist Who Pushed the Boundaries of Surrealism, Open Culture
- How Leonora Carrington Feminized Surrealism, The New Yorker
- Leonora Carrington, Wikipedia
- The women Impressionists forgotten by history, BBC
- Oral history interview with Lee Krasner, 1972, Archives of American Art
- Dorothea Tanning’s Surrealist Depictions of Women’s Pain, HYPERALLERGIC
- Guerrilla Girls, Wikipedia
- Reframing Lee Krasner, the artist formerly known as Mrs Pollock, The Guardian