Ensaios

Nunca Mais Fique Sem Saber O Que Assistir: O Guia Definitivo da Netflix

Junto com decidir o que comer, escolher o que assistir na Netflix é, sem dúvida, uma das tarefas mais insuportavelmente difíceis do lazer moderno. Embora haja uma infinidade de séries e filmes para explorar, os espectadores caem com facilidade no que conhecemos como paralisia da escolha. E uma escolha ruim pode arruinar uma noite inteira, assim como uma descoberta inesperadamente boa pode salvar um dia chuvoso embaixo das cobertas.

Não se trata apenas de gosto, claro, o processo decisório sempre equivale a mais do que a soma de suas partes. Existe um plano crucial de reconhecimento que o espectador precisa alcançar: aquele momento de clareza em que ele sabe, “sim, é exatamente essa a série na qual quero me perder hoje”. As escolhas vacilantes, que vão do levemente insatisfatório ao completamente arrependido, são incontáveis. Mas aquelas poucas escolhas mágicas, que tentei reunir aqui, merecem ser examinadas para entender o que elas podem nos dizer sobre assistir e ser assistido.

Assim, apresento cinco máximas para escolher o que assistir na Netflix:

i. Não comece pelo algoritmo

o que assistir na Netflix


O primeiro erro da maioria das pessoas é confiar na tela inicial da Netflix. O algoritmo não é seu amigo. Ele é aquele conhecido manipulador, sempre sorridente, que insiste que você vai amar o que todo mundo está assistindo. As seções mais “cuidadosamente” curadas – “Porque Você Assistiu”, “Em Alta”, “Principais Escolhas Para Você” – quase sempre são as piores. Nesse tipo de navegação, um pouco já é demais.

A melhor maneira de entender as falhas do algoritmo é observá-lo em seu habitat natural. Pense em alguém que assiste O Gambito da Rainha num fim de semana e, na semana seguinte, é bombardeado com dramas de xadrez, cinebiografias e sugestões genéricas de “protagonistas femininas fortes”. O algoritmo é como uma criança aprendendo a falar, ele se apega à parte errada da frase. Ele nem sempre entende o que de fato te prendeu — apenas chuta. E com bastante frequência, chuta errado.

Às vezes, a melhor coisa que você pode fazer é passar direto pelos banners brilhantes e ir até as páginas empoeiradas das categorias de gênero. Lá, você pode encontrar o que nem sabia que procurava. Algo como Dark, que bombou durante bom tempo mas hoje segue escondido na aba de ficção científica como um segredo. Ou “Fale com meu Agente…em Bollywood”, discretamente abrigado na seção internacional, esperando para ser descoberto por quem se atreve a ignorar o que está em “Alta na Netflix”.

ii. Sempre foque no seu estado de espírito — exceto quando não tiver tanta certeza disso

estado de espírito

O que você realmente quer sentir? Essa é a pergunta central ao escolher algo na Netflix, e é justamente a que os espectadores menos sabem responder. Assistir algo nunca é só sobre o conteúdo, é mais sobre alinhar a experiência do que se assiste com o clima emocional interno. E, ainda assim, na pressa de apenas “colocar qualquer coisa”, muita gente ignora completamente o próprio humor.

Vamos lá, você teve um dia difícil. Acha que quer algo leve e coloca uma nova sitcom. Dez minutos depois, a risada de fundo fica entediante, e você abandona. Será que o que você realmente precisava não era da paciência melancólica de um mistério que se constrói devagar, ou da dor estética de um filme independente bem feito? Às vezes, claro, o oposto é verdade: você diz a si mesmo que quer “algo com substância”, coloca um drama policial nórdico de 12 episódios e dorme no segundo capítulo.

A chave não é escolher pelo que você acha que deveria ser, mas pelo que você é naquele momento. Existe um ponto de equilíbrio onde o seu humor e o seu entretenimento se encontram: nem muito leve, nem muito pesado. E, quando você encontra esse ponto, a noite começa a fazer sentido.

iii. Permita-se ser bobo

Love, Netflix
“Love”

Levar a sério o que se assiste é admirável, mas muitas vezes leva à pior armadilha da Netflix: a busca eterna pela escolha “perfeita”. Quanto mais você tenta montar a experiência cinematográfica ideal, mais ela escapa. Às vezes, a melhor coisa que você pode fazer é parar de se levar tão a sério – e isso não serve só para a escolha de filmes e séries.

Entre em cena: o especial de comédia descartável, o drama adolescente guilty pleasure, o filme de terror de baixo orçamento com pôster feito no Paint. Há algo libertador em assistir Emily em Paris sem fingir que é só “hate-watching”. Ou algo no estilo Master Cheff só para ver comida. Ou colocar Jogo da Lava só pelo caos pastelão.

Essas escolhas, as tolas, as nada sérias, podem ser as mais memoráveis. Como uma festa ruim que, de algum jeito, vira lendária, o estranho e o bizarro podem sobreviver até às escolhas mais refinadas. Porque o que você precisava não era uma obra-prima. Era alívio.

iv. Encontre uma companhia de sofá

Breaking Bad

Assistir Netflix é um ato social, mesmo quando feito sozinho. O ato de assistir é moldado pelas pessoas com quem você fala sobre o que viu, aquele amigo que insiste para você dar mais uma chance para BoJack Horseman, o parceiro que quer rever Breaking Bad desde o começo, a colega de trabalho que não para de falar de Casamento às Cegas. Essas pessoas são seus guias, seus críticos, seu público. E quando você compartilha a experiência com alguém, fisicamente ou virtualmente, o programa muda.

Assistir algo com outra pessoa adiciona uma nova camada de comprometimento e envolvimento. Você talvez nunca termine uma minissérie lenta sozinho, mas com um amigo esperando sua reação, você segue em frente. Séries como Stranger Things ou The Crown viram eventos comunitários, não apenas conteúdo. Em alguns casos, o que importa menos é a série e mais o fato de que vocês estão assistindo juntos.

E mesmo quando você está vendo sozinho, a recomendação de alguém pode ser uma lanterna na escuridao de opções infinitas. As melhores sugestões vêm de quem conhece seu gosto melhor do que o algoritmo da Netflix jamais conhecerá.

v. É você contra o scroll

o que assistir na Netflix

O scroll infinito é o inimigo. Ele devora seu tempo, sabota sua intuição e te dá a ilusão de produtividade enquanto garante que você não se comprometa com mais nada. A Netflix, como um labirinto travesso, é projetada para te manter em limbo. Quanto mais você navega, menos provável é que realmente assista algo.

A única solução é impor limites. Dê a si mesmo dez minutos para escolher. Jogue cara ou coroa entre duas opções. Escolha o primeiro título que você parou para ler. Ou melhor ainda: faça uma lista antes de abrir o app. Salve títulos. Crie uma coleção de “Assistir Depois”. Retome o controle do tempo que o scroll tenta roubar.

Pode-se dizer que encontrar algo para assistir na Netflix é, por si só, uma forma de performance — um ato sutil de decisão moldado por desejo, contexto e o constante tique-taque do relógio. E como qualquer performance, fica mais fácil com a prática.

*

Passei a me interessar por esse ritual de assistir Netflix quando tentava relaxar após um longo dia de trabalho, e me via rolando sem parar pelas opções, sem me satisfazer. O que começou como uma busca por descanso virou uma crise existencial de baixo risco. Percebi que já tinha visto todos os clássicos, ignorado todos os hypes e agora estava preso numa terra de ninguém, cercado por miniaturas de rostos desconhecidos fazendo coisas que não me importavam. Só me libertei quando mandei uma mensagem para um amigo pedindo uma indicação (ele sugeriu Boneca Russa).

Claro, essas cinco máximas são arbitrárias. Minha lista de estratégias está longe de ser exaustiva, e sequer mencionei várias ferramentas úteis (críticos independentes, fóruns de cinema, Letterboxd, ou, a melhor de todas: a Olhe Novamente! :D). A maioria dos conselhos aqui talvez se aplique mais a séries, embora o catálogo de filmes da Netflix apresente seu próprio labirinto de escolhas e ciladas. E, embora a Netflix seja o foco aqui, os mesmos princípios valem para qualquer plataforma nesta era de abundância do streaming.

Escolher algo para assistir é difícil, principalmente porque pode ser qualquer coisa para qualquer pessoa: conforto, fuga, desafio, deleite, catarse, entorpecimento. É por isso que também é poderoso. Uma das plataformas mais ubíquas do mundo é também uma das mais desorientadoras, então não é surpresa que encontrar a coisa certa pareça um milagre. Para pessoas cansadas, curiosas, solitárias, indecisas, a Netflix oferece um tipo de espelho. O que você escolhe assistir é, de certa forma, o que você escolhe ser por uma hora. E quando você encontra a escolha perfeita, é como se a noite finalmente fizesse sentido.

*

Obrigado por chegar até aqui! Espero que tenha gostado do papo e te convido a dar uma olhada nos outros textos do blog. Se curtir, considere também se inscrever no site para receber os textos sempre que eles forem publicados. 🙂

Um forte abraço!

Inscreva-se na Olhe Novamente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *