Como Breath of the Wild Revolucionou o Conceito de Aventura para Sempre
The Legend of Zelda: Breath of the Wild é uma das mais profundas reflexões sobre aventura nos videogames, precisamente porque toca na aventura apenas de maneira tangencial; porque sussurra, nunca grita. O épico de mundo aberto da Nintendo é silenciosamente revolucionário, um jogo incapaz, ou talvez, mais precisamente, deliberadamente relutante de encarar de frente a fantasia que apresenta, enterrando sua própria grandiosidade mítica sob camadas de mundanidade. É a exploração em seu estado mais puro e não diagnosticado, uma obra na qual o extraordinário emerge incessante e inevitavelmente do ordinário, como brasas que se desprendem de uma fogueira prestes a se apagar.
Apropriadamente, a ideia do jogo não veio ao seu diretor, Hidemaro Fujibayashi, em um surto febril de inspiração, mas sim em uma contemplação paciente, como se sempre tivesse existido e estivesse apenas esperando para ser desenterrado. O jogo foi moldado por um compromisso com sistemas, com as mecânicas da sobrevivência cotidiana em um mundo onde a grande missão já fracassou. Cozinhar, escalar, juntar lenha – esses são os novos ritmos de Hyrule, e são eles, mais do que qualquer profecia ou mal ancestral, que definem a jornada de Link.

Essa jornada não é apenas derrotar Ganon, nem mesmo a lenta recuperação das memórias fragmentadas de Link. É, acima de tudo, a jornada de aprender a existir dentro da ecologia de Hyrule, de compreender que os pequenos e repetitivos gestos da vida – colher maçãs, ouvir a chuva batendo nos telhados de palha de Hateno, sentar-se ao lado do fogo até o amanhecer – não são distrações da aventura, mas sim a própria aventura.
Na verdade, o maior triunfo de Breath of the Wild reside precisamente em seu silêncio. As forças que moldam a experiência de Link, que desestabilizam ou enriquecem o caminho cuidadosamente traçado pelo jogador, não são grandes reviravoltas narrativas ou revelações chocantes. São uma chuva repentina tornando um penhasco intransponível, uma refeição mal preparada, a lenta e invisível degradação de uma espada usada com muita frequência. São inconvenientes comuns, transformados em algo extraordinário por um mundo que não precisa justificá-los, por um mundo que simplesmente existe, indiferente às expectativas do jogador.
Ainda que o jogo se revele por meio dessa banalidade vivida, seria um erro chamá-lo de autobiográfico ou tentar encontrar nele uma única voz autoral. Link é deliberadamente amplo, seu silêncio desencorajando o jogador de impor sobre ele qualquer identidade específica. E, no entanto, há evidências de que os designers compreendiam a beleza lenta e discreta que se acumula nos momentos de quietude: o modo como o vento percorre um campo de grama, o som suave dos passos sobre a pedra, a imobilidade de um santuário instantes antes de um desafio começar.
Jogos de videogames costumam ser fantasias de poder, exercícios de dominação sobre um mundo feito para ceder ao jogador. Mas Breath of the Wild é uma fantasia de submissão, não no sentido fatalista, mas no sentido de aceitar o fluxo do tempo, a inevitabilidade das estações que mudam. O mundo não se curva a Link – Link é quem se curva ao mundo. Ele busca abrigo quando o frio se torna insuportável, espera a chuva passar quando as encostas ficam escorregadias, assiste ao nascer do sol sem que isso dependa de sua ação.

Isso não significa que o jogo tenha uma única leitura emocional definitiva: Breath of the Wild não é cínico nem sentimental. Na verdade, é exatamente o oposto. Há nele uma honestidade limpa e desapaixonada, como se tivesse sido projetado para ser experienciado da mesma forma que se encontra uma cidade nova pela primeira vez – com curiosidade, sim, mas também com um respeito silencioso, quase impessoal. Existem histórias aqui, mas elas não são de Link. Existem ruínas, mas não cabe a ele lamentá-las. Ele simplesmente passa por elas.
Por essa razão, Breath of the Wild se assemelha quase a um documentário projetado para explicar a experiência humana a uma criatura que nunca a encontrou antes. Seu clima dinâmico, quebra-cabeças baseados na física e inteligência artificial reativa possuem um tom curiosamente educativo, como se o objetivo fosse ensinar não apenas como jogar, mas como existir.
Nesse jogo o prazer não está na rotina, mas sim na quebra dela, e seus maiores encantos frequentemente surgem em momentos pequenos e inesperados. Um surfe de escudo perfeitamente executado por uma colina nevada, a descoberta de um Korok escondido, o calor de um ensopado recém-preparado após uma caminhada gelada pelas Montanhas Hebra. São prazeres, sim, mas efêmeros, passageiros, logo sobrepostos pelo próximo passo da jornada.
Não que a grandiosidade seja necessariamente desprezada, mas ela é enfaticamente secundária às preocupações da rotina cotidiana. Os momentos mais grandiosos do jogo – a libertação das Divine Beasts, o confronto final com Ganon – são, de certo modo, incidentais. São interrupções em um mundo que aprendeu a seguir em frente sem elas. E quando Link finalmente se levanta vitorioso, quando o mundo é salvo e os créditos rolam, o jogo nos deixa não com um triunfo retumbante, mas com um simples convite: Continue explorando. Porque, é claro, o mundo não para. A chuva ainda cai. O sol ainda nasce.

Então, os céticos podem se perguntar: qual é o sentido? Se a aventura que Breath of the Wild descreve é tão mínima que mal pode ser expressa elegantemente, e tão inconsequente que parece não ter grande impacto, por que alguém jogaria, especialmente quando isso exige horas de paciência e atenção?
A resposta é simples. Apesar de sua vastidão, apesar de seu senso de possibilidade, Breath of the Wild justifica sua própria existência apenas por existir. Ele não insiste em sua própria importância. Ele não exige que o jogador se maravilhe com ele. Em vez disso, permite que o jogador simplesmente esteja ali. Permite que se encontre alegria no pequeno, no irrelevante, no comum. É o equivalente cinematográfico da grande frase de Samuel Beckett sobre a mortalidade: “Não posso continuar. Vou continuar.”
Basta olhar os momentos finais, depois que Ganon é derrotado. Não há uma grande recompensa, nenhuma transformação transcendental. Zelda agradece a Link, o reino permanece em ruínas silenciosas, e a aventura simplesmente segue. Não há revelação final, nem uma grande declaração sobre a natureza do heroísmo. Link não é diferente de quando começou. O mundo ainda está lá, vasto e indiferente, e ele precisa continuar atravessando-o, procurando por algo que nunca encontrará completamente.
A luz começa a se dissipar. Ele expira.
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