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O Fashion e a Moda no Cinema

“Elegância é a única beleza que não desaparece” – Audrey Hepburn

O vestido preto é sem mangas, elegante e incrivelmente simples. Holly Golightly (Audrey Hepburn) sai de um táxi nas ruas desertas de Nova York, numa manhã tranquila, segurando um copo de café, seu cabelo preso em um coque sofisticado, um colar de pérolas de várias voltas adornando sua clavícula. O vestido Givenchy, criado pelo próprio Hubert de Givenchy, é mais do que uma peça de roupa, é uma declaração, um mito, uma transformação.

Holly não é realmente Holly: ela já foi Lula Mae Barnes, uma garota do interior que fugiu de seu passado, abandonando seu nome e identidade como uma cobra que troca de pele. Ela se reinventa como uma socialite nova-iorquina, usando seu guarda-roupa como armadura, seu ingresso para uma nova vida. O vestido preto, minimalista na estrutura, mas maximalista no impacto, é o ápice dessa reinvenção. Bonequinha de Luxo (1961) não se trata apenas da moda, do fashion, trata-se de aspiração, ilusão e da delicada (e às vezes dolorosa) arte de se recriar.

Bonequinha de Luxo (1961) - fashion e moda no cinema
Bonequinha de Luxo (1961)

A influência dos estilistas no cinema vai muito além da simples escolha de figurino. A moda no cinema é uma forma de contar histórias, uma extensão do personagem, uma linguagem visual que comunica desejos, conflitos e transformações sem uma única palavra. Seja na alfaiataria andrógina e despojada que Ralph Lauren criou para Diane Keaton em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) ou nos exuberantes trajes de época desenhados por Milena Canonero para Barry Lyndon (1975), o design de figurino molda a forma como enxergamos e lembramos dos personagens, suas narrativas costuradas em cada escolha de tecido, cada silhueta, cada ponto.

Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) - fashion e moda no cinema
Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)
Barry Lyndon (1975) - fashion e moda no cinema
Barry Lyndon (1975)

A relação entre a alta-costura e o cinema, hoje tida como certa, já foi um grande desafio. Nos primeiros anos de Hollywood, os grandes estúdios tinham seus próprios figurinistas, nomes como Edith Head, Adrian e Orry-Kelly, que definiram o glamour do cinema clássico. Eles eram reverenciados, mas seu trabalho era visto como parte do design de produção, não do mundo da alta-costura. Os estilistas, por outro lado, operavam em um universo totalmente distinto: os ateliês exclusivos de Paris, Milão e Nova York. Mas quando esses dois mundos começaram a se fundir, algo extraordinário aconteceu: os estilistas trouxeram ao cinema uma nova modernidade, acessibilidade e relevância cultural.

“Nós, os costureiros, não podemos mais viver sem o cinema, assim como o cinema não pode viver sem nós. Corroboramos o instinto uns dos outros.” – Lucien LeLong

Veja o impacto de Ralph Lauren em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa. Antes do filme, Lauren era conhecido principalmente por seu estilo preppy americano, camisas polo e estética de clube de campo. Mas quando Diane Keaton apareceu na tela usando calças largas, um colete, uma gravata e um blazer oversized, ela se tornou um ícone instantâneo de estilo. O look foi revolucionário, não apenas por borrar as linhas de gênero, mas porque parecia autêntico, elegante sem esforço, acessível, um rompimento com o glamour hollywoodiano meticulosamente esculpido que o precedeu. A própria Keaton já usava roupas parecidas na vida real e, junto com a figurinista Ruth Morley, Lauren ajudou a criar uma estética que transcendeu o cinema, influenciando diretamente a moda do mundo real como poucos figurinos fizeram.

“Frequentemente me atribuem o mérito de ter vestido Diane em seu papel vencedor do Oscar como Annie Hall. Não foi assim. O estilo da Annie era o estilo da Diane. Muito eclético. Ela adorava chapéus moles e paletós masculinos oversized. Ela amava gravatas compridas e soltas.” – Ralph Lauren sobre o figurino de Diane Keaton para “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”.

Diane Keaton em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) - fashion e moda no cinema
Diane Keaton em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977)

A interação entre personagem e vestuário também é o que torna a parceria de Givenchy e Audrey Hepburn tão lendária. Sua colaboração começou com Sabrina (1954) e se solidificou com Bonequinha de Luxo, onde os designs de Givenchy não serviam apenas para tornar Hepburn bela (embora certamente conseguissem)-eles ajudavam a criar uma mulher que existia entre a realidade e a fantasia. Holly Golightly, apesar da aparência glamourosa, é uma órfã, sem raízes, buscando estabilidade, mas relutante em abrir mão da liberdade. O vestido, tão icônico quanto é, representa tanto seu encanto quanto sua solidão.

fashion e moda no cinema
Audrey Hepburn em “Sabrina” -1954
Audrey Hepburn em "Bonequinha de Luxo" - fashion e moda no cinema
Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo”

A moda no cinema muitas vezes se trata de dualidade, como a roupa pode, ao mesmo tempo, esconder e revelar, disfarçar e expor. Em O Diabo Veste Prada (2006), a Miranda Priestly de Meryl Streep comanda a atenção com seus looks impecáveis de designer, sua postura gélida refletida no corte preciso do figurino de Patricia Field. O filme não usa a moda apenas como pano de fundo, ele questiona seu poder, sua exclusividade, seu fascínio intoxicante. Da mesma forma, em As Patricinhas de Beverly Hills (1995), o figurino vibrante e exagerado de Mona May para Cher Horowitz (Alicia Silverstone) não se trata apenas de nostalgia dos anos 90, ele expressa visualmente confiança, privilégio e a experimentação da juventude.

Meryl Streep, O Diabo Veste Prada (2006)
Meryl Streep, O Diabo Veste Prada (2006)
As Patricinhas de Beverly Hills (1995)
As Patricinhas de Beverly Hills (1995)

Às vezes, no entanto, o papel da moda no cinema não é sobre transformação, mas sobre permanência. Em Amor à Flor da Pele (2000), de Wong Kar-wai, a personagem de Maggie Cheung, Su Li-zhen, veste uma série de deslumbrantes cheongsams de gola alta, cada um uma variação do anterior, cada um reforçando sua contenção emocional e sofrimento silencioso. Ao contrário do vestido preto de Holly Golightly, que simboliza reinvenção, o guarda-roupa de Su Li-zhen funciona como uma armadura, aprisionando-a em um ciclo de desejo e emoção não expressada. Sua beleza é inegável, mas também melancólica, uma metáfora visual para o amor que permanece sempre fora de alcance. Esse texto da CNN Style sobre o figurino do filme é simplesmente maravilhoso. Está em inglês mas, se você não tiver problemas com isso, vai adorar com certeza!

Amor à Flor da Pele (2000)
Amor à Flor da Pele (2000)

Pauline Kael, renomada por sua crítica incisiva de cinema, questionava se figurino e moda eram realmente essenciais para a narrativa ou apenas enfeites:

“O artesanato que Hollywood sempre usou como ponto de venda não apenas não tem muito a ver com arte — o uso expressivo das técnicas —, provavelmente também não tem muito a ver com o verdadeiro apelo de bilheteira.”

Mas os melhores filmes, aqueles que entendem o poder da identidade visual, provam que a moda não é apenas sobre aparência. Trata-se de pertencimento, de construção de identidade, de navegar pelo mundo como desejamos ser vistos. No fim das contas, o que permanece não é apenas a beleza das roupas, mas o significado embutido nelas.

Afinal, um vestido nunca é apenas um vestido. O fashion também é cinema.

O fashion também é cinema

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Material de Referência

  1. The Enduring Appeal of Annie Hall Style
  2. “Barry Lyndon” é o fashion filme de Stanley Kubrick
  3. Milena Canonero
  4. 18th-Century Quest: Barry Lyndon Costume Movie Review
  5. Adrian
  6. Orry George Kelly (1897-1964)
  7. Who has won the most Oscars? See record-holders in major categories
  8. 1930–1945 in Western fashion
  9. The Film Drama That Sparked Audrey Hepburn and Givenchy’s Lifelong Friendship and Collaboration
  10. Patricia Field on Creating the Look of ‘The Devil Wears Prada’
  11. Mona May Rewrote ‘90s Fashion. 25 Years Later, We’re Still Wearing Her Clothes.
  12. Remember when Maggie Cheung enraptured audiences with her colorful cheongsams?
  13. Pauline Kael Quotes

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