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Como Greta Gerwig subverte a Manic Pixie Dream Girl

Recentemente foi lançado o filme Barbie, que explodiu as redes sociais, com destaque forte no Brasil. Por semanas seguidas, só se falou disso. O filme, estrelado por Margot Robbie e Ryan Gosling e dirigido por Greta Gerwig trouxe reflexões importantes sobre o papel feminino na sociedade atual, além de dar luz a outros temas relevantes, como o modelo de patriarcado que segue vivo hoje em dia. Barbie teve muito sucesso em sua proposta e conseguiu levar essas e outras discussões bem à frente, o que é muito legal e muito importante também.

As pautas abordadas no filme Barbie tomaram conta de blogs e páginas de cinema, levando uma reflexão legal a bastante gente.

O roteiro de Barbie foi brilhantemente pensado por Greta Gerwig, que consegue entregar um filme fiel às raízes da boneca mais famosa do mundo, com críticas relevantes e, ao mesmo tempo, bastante divertido. E dentre várias outras leituras possíveis de seus personagens, a Greta nos entrega um Ken que não consegue se ver fora da aura e do entorno da Barbie. Durante a narrativa do filme, vemos que o Ken precisa da Barbie para ser uma pessoa melhor e mais relevante. Existem várias análises e reviews sobre Barbie por aí na internet, com olhares bem legais que valem a pena de serem conferidos. Eu recomendo bastante o canal do PH Santos no Youtube. Mas voltando ao assunto do Ken, essa sua necessidade da Barbie para que ele possa crescer me faz lembrar de outra coisa. E hoje eu não pretendo falar especificamente sobre Barbie, mas quero resgatar um pouco o conceito de Manic Pixie Dream Girl (MPDG). Ou, caso o leitor não conheça, apresentar do que se trata esse termo.

Ken precisa da Barbie para não ser só…o Ken.

Manic Pixie Dream Girl

Existem varias listas de filmes com a tematica MPDG

Imagine que você está assistindo a um filme ou alguma outra história e há uma personagem especial que é muito, muito peculiar e legal. A principal função dessa personagem, feminina, é fazer com que o personagem principal, geralmente um homem, se sinta realmente feliz e realizado. Essas mulheres costumam ser fora do padrão, independentes, com forte personalidade. Dançam na chuva, são engraçadas e dizem coisas inteligentes. Essas personagens são como uma amiga mágica que ajuda o personagem principal a se divertir e aprender coisas novas sobre a vida. Elas o ajudam a evoluir. Mas seus próprios sonhos, objetivos e medos não são explorados na narrativa, pois essa personagem, a qual chamamos de Manic Pixie Dream Girl, só existe para ser um trampolim para a ascensão de algum adulto em construção que deu a sorte de encontrá-la.

Esse termo foi cunhado por um crítico chamado Nathan Rabin em sua crítica do filme Elizabethtown, de 2005, para descrever a personagem interpretada por Kirsten Dunst. Desde então, esse tipo de personagem passou a ser analisado em vários outros filmes e narrativas. Rabin afirmou que a MPDG é “aquela criatura cinematográfica cintilante e superficial que só existe na imaginação febril dos escritores para ensinar jovens homens profundos, cismados e sentimentais a aproveitar a vida e seus infinitos mistérios e aventuras“.

Bom, dentre todas as representações que exemplificam o termo MPDG, talvez a Summer, do filme “500 dias com ela“, seja a mais fácil de explicar, já que ela se encaixa quase que perfeitamente nesse conceito.

Summer é como uma fada brilhante e enérgica que entra na vida de Tom. Tom, por sua vez, está meio triste e inseguro em relação à vida, mas quando Summer entra em cena, tudo muda. Ela tem uma maneira única e interessante de ver o mundo e faz coisas inesperadas e emocionantes. Summer traz novidades e emoções novas para a vida de Tom e fala sobre ideias incomuns que fazem ele pensar de forma diferente. Ela é como uma explosão de cor e alegria na vida dele. Todas essas qualidades fazem com que Tom se apaixone por ela instantaneamente.

Convenhamos, é meio difícil não se apaixonar pela Zooey Deschanel

E aí vem a parte importante: vemos o filme pelas lentes de Tom, então a história e os sentimentos de Summer não são tão explorados. Não sabemos por que ela faz as coisas que faz ou o que ela realmente pensa e sente de verdade. Não sabemos quais são suas ambições, seus medos e nem mesmo o seu real sentimento por Tom é de fato explicado, tanto que muitas pessoas a tratam como a vilã da história. Mas a real é que ela está lá especificamente para ajudar Tom a crescer e mudar, quase como uma ajudante mágica.

E assim, como uma Manic Pixie Dream Girl, Summer é uma personagem de uma história que é super peculiar e serve como esse trampolim para que o personagem principal se sinta mais feliz e vivo. Mas ela não têm a chance de ser uma pessoa plena e complexa, com seus próprios pensamentos e emoções. Ou, pelo menos, não tem a chance de mostrar isso dentro da narrativa, permitindo diversas interpretações, muitas vezes injustas, sobre a personagem.

Frances Ha: passos à frente com Greta Gerwig

Todo esse arquétipo da MPDG tem a ver, obviamente, com o feminismo. Isso porque ele destaca questões como papéis estereotipados, objetificação e falta de autenticidade para personagens femininas na mídia. O feminismo procura desafiar estas limitações, defendendo representações mais complexas, poderosas e autênticas das mulheres nas histórias, indo além dos papéis que giram exclusivamente em torno de personagens masculinos e do seu crescimento. Nesse aspecto, temos visto nos últimos anos contribuições importantíssimas vindo de uma diretora em ascensão, a própria e incrível Greta Gerwig.

A Greta, além de também ser uma extraordinária atriz, tem essa capacidade incrível de criar personagens femininas complexas, dirigir histórias autênticas de amadurecimento e colaborar com outras mulheres do setor. Seus filmes como “Lady Bird” e “Little Women” mostram experiências femininas diferentes, mas reais. E isso com certeza inspira mudanças positivas e progresso dentro do feminismo.

Greta Gerwig é uma vitória feminina dentro do cinema.

Em 2012, juntamente com o diretor e marido Noah Baumbach, Greta Gerwin estrelou o filme “Frances Ha“, que desafia muitas expectativas e quebra conceito de MPDG apresentando um retrato mais autêntico e maduro de sua personagem principal.

Frances Ha é como uma boa dose de ar fresco, proporcionando um toque refrescante a este arquétipo desgastado. O filme gira em torno de Frances, uma jovem que sonha em se tornar dançarina profissional, interpretada com maestria pela própria Greta Gerwig, que também co-escreveu o roteiro com o Noah Baumbach. O legal aqui é que a Frances exibe características que se alinham com o molde da MPDG – ela é peculiar, espontânea e excêntrica também, mas o filme transcende as limitações do arquétipo, dando luz as complexidades, aspirações e crescimento pessoal dessa personagem.

Ao contrário das tradicionais Manic Pixie Dream Girls, Frances não é apenas uma companheira na história de outro cara. Ela ocupa o centro de sua própria narrativa, e nós, como público, testemunhamos suas lutas, sucessos e autodescoberta. Baumbach e Gerwig colocam humanidade em Frances, mostrando seus momentos de vulnerabilidade, seus confrontos com a realidade e sua jornada para definir sua própria identidade. Este é um filme que diz muito sobre amadurecimento e essa tratativa não unidimensional em uma personagem multifacetada, com suas próprias ambições, desafia qualquer arquétipo e acrescenta profundidade à narrativa do filme. Frances Há é um filme muito bonito.

E assim, o filme reconhece que essas personagens também têm suas próprias histórias que merecem ser contadas e exploradas. Aqui o foco não é o impacto de Frances na vida de algum protagonista masculino, mas sim sua jornada pessoal, e isso é uma declaração poderosa sobre a importância da autenticidade na narrativa. Frances não é um trampolim, mas uma protagonista por si só. O que também não a impede de falar sobre amor e relacionamentos.

E, claro, o toque pessoal da Gerwig acrescenta ainda mais autenticidade, o que resulta nessa abordagem mais diferenciada e fornece um retrato compreensível do crescimento de uma jovem. O próprio sucesso de Gerwig como atriz, escritora e diretora contribui para aumentar a visibilidade e a representação das mulheres em papéis importantes na indústria cinematográfica. Suas conquistas com certeza inspiram outras mulheres a seguir carreiras no cinema e contribuir com suas próprias perspectivas.

Desafiando os mitos românticos e abrindo as portas para um novo futuro

A visão de Greta Gerwig sobre os papéis femininos no cinema se reflete na autodescoberta de Ken fora da Barbie. Barbie é também uma história que incentiva a independência e a felicidade além dos relacionamentos românticos, muitas vezes a gente esquece esse aspecto. Uma mulher pode ser a dona de seu próprio destino, assim como um homem pode também ser responsável por si mesmo, sem a necessidade de uma mulher para ser seu suporte. E são narrativas assim que podem nos levar a realmente examinar os papéis das mulheres na sociedade e da fantasia masculina. Talvez a abordagem humorística de Barbie dificulte a mensagem de ser mais direta, mas acredito que é necessário instigar um pensamento mais crítico também, o papel do cinema é também gerar incomodo.

Fato é: O sucesso de filmes como Barbie é a mão que se estende para salvar de vez muitas das Manic Pixie Dream Girls que poderiam ainda vir a existir. Basta olharmos novamente.

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