Gaunter O’Dimm e a exploração do ‘mal menor’ em The Witcher
The Witcher 3: Wild Hunt, desenvolvido pela CD Projekt Red, é um jogo conhecido não apenas por seus visuais e jogabilidade incríveis, mas também por seus dilemas éticos e morais. Situado em um mundo atormentado por guerras, intrigas políticas e ameaças sobrenaturais, a gente assume o papel de Geralt de Rivia, o Geraldão, um habilidoso e poderoso Bruxo. The Witcher é o terceiro jogo de uma franquia RPG de mundo aberto e, nessa parte da história, Geralt está em busca de sua filha adotiva, Ciri, que vem sendo perseguida pela Caçada Selvagem, uma força espectral que busca controlar seus poderes. Mas, apesar de interessante, eu não quero me aprofundar no enredo aqui. Jogamos com Geralt em um cenário moralmente ambíguo, enquanto o bruxo é constantemente confrontado com decisões difíceis que desafiam suas crenças e o força a pesar as consequências de suas ações. E é sobre isso que eu quero escrever um pouquinho.
Bom, um dos temas recorrentes em The Witcher é o conceito de “mal menor” (The lesser evil). Geralt frequentemente se encontra em situações em que não há escolhas ideais, apenas variações de resultados indesejáveis. Como jogadores, devemos sempre considerar cuidadosamente as consequências de nossas decisões, entendendo que às vezes sacrifícios devem ser feitos para um bem maior. Isso levanta questões importantes sobre a natureza da moralidade e as complexidades de uma tomada de decisão e também ilustra como funcionam as relações nesse universo de The Witcher, que é muito rico, além de aprimorar a experiência da narrativa, claro.
E são justamente essas relações que geralmente levam a dilemas morais já que Geralt esta sempre enfiado em disputas de interesses, tretas românticas e se aliando a seres um tanto questionáveis às vezes. A lealdade deve prevalecer sobre a moralidade pessoal? Essas escolhas exploram as camadas desses relacionamentos e os sacrifícios que podem ser necessários quando as ambições pessoais estão em desacordo com a bússola moral de alguém.
Portanto, é por meio dessas escolhas moralmente ambíguas que o jogo aborda essa questão do “mal menor”. Ao sermos apresentados a personagens moralmente “cinzas”, The Witcher 3 enfatiza as consequências das decisões que tomamos e desafia nossas noções tradicionais de certo e errado. Se entregar ao universo desse jogo é ser lembrado a todo tempo que nosso caminho nem sempre é claro e as escolhas feitas podem ter consequências profundas e duradouras.
No geral, essas situações ambíguas em The Witcher 3 estão bem ligadas aos personagens do jogo. Nossas escolhas moldam o desenvolvimento de Geralt, influenciam o destino de Ciri, afetam os relacionamentos com Triss e Yennefer e, de tabelinha, afetam também as vidas e histórias de vários NPCs. Dentre esses personagens, existe um que, na minha opinião, incrementa ainda mais essa complexidade moral e consequências de nossas ações: Gaunter O’Dimm. E é desse camarada que quero discutir aqui nesse meu primeiro texto sobre The Witcher 3, um dos meus jogos favoritos da vida. Mas antes, vamos entender quem é esse cara.
O Mestre Espelho
Gaunter O’Dim: Eu não sou nenhum trapaceiro. Eu dou às pessoas o que elas querem, nada mais. Que muitas vezes desejem coisas indignas – isso é inteiramente culpa de suas naturezas podres.
Geralt: Você não é humano, isso está claro. Então, o que você é? Um demônio? Um Djinn?
Gaunter O’Dim: Você realmente deseja saber?
Geralt: Sim.
Gaunter O’Dim: Não, Geralt, você não quer. Desta vez, vou poupá-lo e não realizarei seu desejo.
Gaunter O’Dimm é apresentado como um vendedor ambulante de espelhos e atende por muitos outros nomes, dentre eles o Homem de Vidro ou o Mestre Espelho. Apesar de aparecer sutilmente em alguns momentos da história principal do jogo, ele tem sua principal participação introduzida na expansão de The Witcher 3, chamada “Hearts of Stone“. É um cara misterioso e enigmático com poderes extraordinários e se mostra como um viajante que realiza ou ajuda indivíduos a realizarem seus desejos. Muitas vezes ele aparece para os necessitados, oferecendo ajuda em troca de um favor ou um pacto. No entanto, seus negócios nunca são diretos e sempre há um problema. As consequências de fazer um acordo com Gaunter O’Dimm podem ser graves, pois ele manipula os eventos para garantir seus próprios fins.
Para ser sincero, este é o meu vilão favorito em todo o gameplay de The Witcher 3. Não que todo o lance com a Caçada Selvagem não seja legal, mas Gaunter O’Dimm incorpora a ideia de que às vezes é preciso escolher entre duas opções indesejáveis, sem que nenhuma escolha seja puramente boa ou má. E eu adoro esse tipo de provocação. Ele manipula situações e explora os desejos e vulnerabilidades dos outros para forçá-los a tomar decisões difíceis. Por meio de suas ações, ele apresenta aos indivíduos a ilusão de escolha enquanto os empurra para o caminho que deseja. Mas ok, como ele de fato se encaixou nesse universo? Para entender isso, é preciso conhecer um pouco um cara chamado Olgierd von Everec. Eu vou tentar resumir, mas caso haja interesse, tem todo o rolê dele na Fandom de The Witcher.
Olgierd von Everec era o filho mais velho de Kristina e Bohumil von Everec, pertencente a uma família nobre no início do século XIII. Ao lado de seu irmão mais novo, Vlodimir, Olgierd formou um bando de malandros nobres e realizou ataques em várias regiões, ganhando uma reputação assustadora. Apesar de suas atividades fora da lei, ele se apaixonou por Iris, uma mulher de outra família nobre.
No entanto, um infortúnio atingiu a família von Everec com problemas financeiros e levou a perda de seus bens devido a certas dívidas adquiridas. A família ficou desabrigada e os pais de Iris, agora considerando o relacionamento inadequado, arranjaram para ela se casar com um príncipe visitante chamado Sirvat. Desesperado para estar com Iris, Olgierd implorou para que eles fugissem, mas Iris optou por acatar a decisão de sua família.
Oprimido por suas perdas e como resultado do desespero e da falta de consciência das consequências de suas palavras, Olgierd amaldiçoou o príncipe. Isso acabou marcando uma virada na história desse personagem.
Gaunter O’Dimm e Olgierd von Everec têm uma relação direta e bem amarrada na expansão Hearts of Stone. Olgierd fez um pacto com Gaunter O’Dimm para realizar seus desejos mais profundos, mas o preço cobrado por Gaunter O’Dimm foi a alma de Olgierd e uma série de tarefas que o empurraram para a escuridão. Gaunter O’Dimm manipula e testa Olgierd, servindo como um catalisador para sua transformação e exploração das consequências de suas ações.
O pobre coitado do Geralt se envolve no relacionamento entre Olgierd von Everec e Gaunter O’Dimm quando é contratado para cumprir um contrato relacionado a Olgierd. À medida que Geralt avança em suas missões, ele descobre a extensão do pacto de Olgierd com Gaunter O’Dimm e acaba se envolvendo nas consequências disso. As escolhas e ações de Geralt influenciam o resultado da história de Olgierd e o confronto final com Gaunter O’Dimm.
Gaunter O’Dimm e o mal menor
Hearts of Stone é uma expansão do jogo principal, mas conta uma puta história e desenvolve um dos melhores vilões já vistos no mundo dos games. Apesar de existirem inúmeras discussões e teorias sobre quem (ou o que) de fato é Gaunter O’Dimm, o que mais me chama a atenção nesse personagem é a sua relação com esse conceito de ambiguidade que falei lá no início. No contexto do mal menor, Gaunter O’Dimm atua como um catalisador para a ambiguidade moral. As escolhas que ele apresenta geralmente envolvem sacrificar uma coisa para salvar outra ou fazer concessões que desafiem os princípios de alguém.
Uma das características tanto do mal menor quanto de Gaunter O’Dimm é a noção de barganhas e suas consequências. Geralt, diante de escolhas difíceis, deve considerar o resultado de suas ações. Da mesma forma, os negócios de Gaunter O’Dimm têm um preço alto, muitas vezes cobrando muito mais do que parecia ser inicialmente. Assim, os encontros com esse personagem abordam bem a dinâmica do mal menor. Geralt constantemente enfrenta dilemas morais e não é estranho tomar decisões difíceis, mas a influência de Gaunter O’Dimm acrescenta uma camada extra de tentação e manipulação, tornando as escolhas ainda mais moralmente ambíguas. Geralt deve encarar essas situações e determinar qual caminho é o mal menor, sabendo que mesmo escolhas aparentemente inocentes podem ter consequências profundas e imprevistas. The Witcher é muito bom nesse tipo de coisa.
No final das contas, vejo Gaunter O’Dimm como a personificação do mal menor, pois ele tenta os indivíduos a tomar decisões moralmente comprometedoras enquanto obscurece o verdadeiro custo de suas escolhas. Sua presença no jogo serve como um lembrete constante das complexidades morais que existem em um mundo moralmente cinza, desafiando os jogadores a navegar por decisões difíceis e enfrentar as consequências de suas ações.
Manipulação, Reflexão sobre as escolhas e Responsabilidade Moral
A manipulação de Gaunter O’Dimm vai além das escolhas imediatas feitas pelos personagens. Ele coloca em movimento uma cadeia de eventos com consequências de longo prazo, muitas vezes com resultados imprevistos e devastadores. Isso constrói toda uma teia de causa e efeito e desafia a noção de livre arbítrio também. Através desse misterioso ser, os jogadores são levados a refletir sobre as escolhas feitas por Geralt e outros personagens. As consequências dessas escolhas e da manipulação de Gaunter O’Dimm levantam questões sobre responsabilidade e até que ponto o arbítrio pessoal é realmente exercido em um mundo onde influências externas podem moldar os resultados. E aí temos a nossa responsabilidade moral: Embora ele possa manipular e tentar os indivíduos, a responsabilidade final pelas escolhas feitas recai sobre os próprios indivíduos. Esta exploração do livre arbítrio é maravilhosa no jogo, e aumenta a compreensão de que as escolhas de alguém têm implicações de longo prazo.
E como essa noção é distorcida? Gaunter O’Dimm persegue indivíduos que acreditam estar fazendo escolhas com base em seus próprios desejos e motivações, mas acabam caindo em seus esquemas. Além disso, ele é um personagem que representa os perigos de desejos não controlados e a disposição de sacrificar princípios morais para ganho pessoal. Ele seduz os indivíduos com promessas de satisfazer seus desejos mais profundos, explorando suas fraquezas e vulnerabilidades, assim como fez com Olgierd. Desta forma, ele destaca as possíveis consequências de ceder a esses desejos não controlados e os compromissos morais que podem surgir quando a gente perde o senso de certo e errado.
Os aspectos de um bom antagonista
Esse tipo de controle e manipulação por parte de Gaunter O’Dimm não é exclusividade de The Witcher, claro. Se pegarmos outros universos, por exemplo, de maneira similar em O Cavaleiro das Trevas, o Coringa é um puta gênio do crime que se satisfaz com a anarquia e a imprevisibilidade. E ele constantemente desafia o código moral do Batman ao mesmo tempo em que busca criar o caos em Gotham City.
Mas é interessante ver como The Witcher construiu um bom antagonista. A natureza enigmática e onipotente de Gaunter O’Dimm só o elevam como um ótimo vilão. Sua habilidade incrível de manipular a realidade e controlar os eventos por trás das cenas o torna um adversário indescritível e formidável, pois parece estar sempre um passo à frente de Geralt.
Portanto, seus desafios morais servem para destacar a profundidade de sua vilania. Ele capitaliza as lutas internas e as fraquezas dos indivíduos, explorando seus desejos e tentando-os a abandonar seus princípios. Ao fazer isso, ele revela a fragilidade da nossa moralidade e demonstra a escuridão potencial que reside até mesmo nos personagens mais virtuosos.
Por fim, o papel de Gaunter O’Dimm em “The Witcher 3” é multifacetado, e abrange os melhores elementos de um antagonista, um cara tentador, símbolo do mal e com um belo enigma narrativo. Sua presença acrescenta profundidade aos temas do jogo, desafia nossos julgamentos morais e contribui para a riqueza geral da experiência de um dos melhores jogos de todos os tempos.
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