Refletindo sobre os custos de uma imagem perfeita através de Helter Skelter e Black Mirror
“Uma palavra antes de começar: um sorriso e um grito são bem parecidos”
Desde os feeds intrigantemente precisos do Instagram até tweets perfeitamente elaborados, as redes sociais estabeleceram uma cultura de autoapresentação que pode levar as pessoas a perderem sua própria identidade para se adequarem aos requisitos dos algoritmos. Primeiramente, é evidente que nossa necessidade constante de validação e aprovação contribui para esse problema, pois as pessoas sentem a pressão de serem percebidas de uma certa maneira para receberem curtidas, comentários e seguidores, em vez de simplesmente serem autênticas em relação a si mesmas, seus interesses e valores. Isso acaba resultando em um desvio do caminho correto.
Na sociedade atual, a pressão para manter uma imagem perfeita e corresponder aos padrões das redes sociais está em alta. Com o surgimento de várias plataformas e a constante inundação de fotos, stories e atualizações no feed, estamos sujeitos a uma pressão extremamente forte para se encaixar nos padrões de beleza, sucesso e popularidade. A necessidade de validação externa se tornou uma prioridade na vida moderna, levando a uma cultura de comparação e competição que pode ter um impacto significativo na saúde mental e no bem-estar das gerações atuais e futuras. A obsessão em atender aos requisitos sociais pode levar à perda da individualidade, problemas de autoestima e um foco excessivo na aparência em detrimento do conteúdo, destacando a necessidade de uma abordagem mais madura e aceitável em relação à autoimagem e autovalorização.
Felizmente, ou melhor dizendo, graças à arte, sempre podemos contar com meios audiovisuais e literatura, que desempenham um papel crucial na formação de nossas percepções sobre o mundo ao nosso redor e nos ajudam a pensar criticamente sobre questões complexas. Eles fornecem perspectivas diferentes e estão frequentemente conscientes das questões sociais, estimulando nosso pensamento crítico. Dessa forma, nos envolvemos com questões complexas de maneira mais profunda e significativa.
E é aqui que eu quero inserir duas obras que eu amo e que, na minha perspectiva, exemplificam muito bem tudo isso.
As tragédias de Lacie e Liliko
O pesado, porém maravilhoso mangá de Kyoko Okazaki, Helter Skelter, e o meu episódio favorito de Black Mirror, “Nosedive”, exploram os resultados de buscar uma imagem perfeita e o impacto que isso pode ter na nossa sanidade e na sociedade. Helter Skelter segue a história de Liliko, uma famosa modelo e atriz que passa por uma extensa cirurgia plástica para manter sua aparência e status. Em “Nosedive”, as redes sociais desempenham um papel significativo na formação da reputação e status das pessoas, com os usuários avaliando mutualmente em suas interações e comportamentos. Como qualquer outro episódio de Black Mirror, esse é bem bizarro.
Ambas as obras exploram a ideia de validação externa e a pressão para manter uma imagem perfeita em uma sociedade que valoriza a aparência e o status acima da originalidade. Em Helter Skelter, a obsessão de Liliko com sua imagem a leva a uma espiral de comportamento autodestrutivo e ao medo de perder seu status. Em “Nosedive”, a necessidade desesperada da protagonista Lacie por uma alta pontuação social a leva a comprometer seu verdadeiro eu e, por fim, enfrentar as consequências de viver em um mundo superficial e crítico. Nosso comportamento alimenta a visão ampla da sociedade e essa visão nos pressiona por mais e mais comportamentos abusivos conosco mesmo. É um ciclo vicioso de autodepreciação.
Consequências de um auto abuso social
Obviamente não tem nada de errado em parecer e se sentir bem, o problema é quando a imagem se torna o foco principal, em detrimento da individualidade e da autoexpressão. E muita coisa ruim pode vir disso. Em Helter Skelter, a transformação física da Liliko reflete os padrões de beleza impostos às mulheres na sociedade japonesa, enquanto em “Nosedive” o sistema de pontuação social reflete a maneira como o comportamento e a imagem online podem moldar nossa visão de nós mesmos e das pessoas em relação à gente. A pressão para se adequar à esses padrões ajuda a criar uma sociedade superficial e julgadora. E isso não está restrito ao Japão ou a uma narrativa fictícia de uma série da Netflix. Esses são problemas reais que já enfrentamos e discutimos hoje em dia.
Veja, em ambos os casos, a obsessão das personagens pela aparência e status as leva a uma perda gradual de sua estabilidade mental e emocional.
A Liliko fica cada vez mais desconectada de si mesma e perde o contato com suas emoções e personalidade. Sua instabilidade mental e emocional se refletem fisicamente, a tornando grotesca e deformada.
Da mesma forma, a Lacie fica cada vez mais ansiosa e paranóica, constantemente preocupada com a forma como os outros a vêem. Sua instabilidade mental e emocional se refletem em seu colapso no casamento de sua melhor amiga, onde ela ataca a todos e perde o totalmente o controle de suas ações.
Os algoritmos das redes sociais e a Indústria do Entretenimento
Não é segredo para ninguém que os sistemas e algoritmos usados nas redes sociais e outras plataformas são desenhados para nos manter engajados e conectados ali dentro. Esse sistema é baseado em uma massa gigantesca de dados e comportamentos, como, por exemplo, os likes que damos, o tempo gasto nas plataformas e até mesmo quem seguimos. A Netflix explica muito bem como isso funciona no documentário “O Dilema das Redes”. Vale a pena conferir.
Outra maneira que os sistemas usam para nos prender é gerando um senso de competição e de comparação entre as pessoas, uma contra as outras. E de maneira muito sutil e geniosa como, por exemplo, mostrando a quantidade de likes dos posts, comentários e encorajando seus usuários a se compararem entre si e trabalharem para obter maiores números. É isso o que nos causa tanta ansiedade e nos pressiona a atender esses tais “requisitos virtuais” e buscar validação de pessoas que não conhecemos ou que não se importam conosco de verdade.
São os algoritmos e esse sistema deturpado que enlouquecem a Lacie em Nosedive. E em Helter Skelter, a Liliko também esta refém de outro sistema que regra comportamentos: A indústria da moda e do entretenimento. Esse meio se utiliza da imagem da Liliko e suas atitudes, a transformando num símbolo de beleza e sucesso. Sua imagem é circulada de forma massiva e celebrada, redefinindo assim os padrões que quem consumir aquele conteúdo vai passar a buscar. E aí caímos novamente no nosso ciclo vicioso.
Por trás das cortinas, temos a Liliko se tornando cada vez mais isolada, infeliz e incapaz de manter qualquer conexão genuína. E também a Lacie, se afundando completamente em uma busca desenfreada por validação externa. Não atôa, ambas perdem a sanidade.
Tá, mas e aí?
Podemos tirar muita coisa das conclusões de ambas essas historias. Tanto a Liliko quanto a Lacie sofrem as consequências dessa tentativa exacerbada de atender expectativas externas e é muito claro que os sistemas e instituições que perpetuam essas expectativas não estão em um lado positivo nisso tudo. Os algoritmos, as propagandas, a indústria, as cores, tudo é feito para nos manter imersos e presos a esse sistema que nos esvazia mais a cada minuto que passamos conectados.
Enfim, alvez o que podemos realmente tirar dessas duas narrativas é, além da necessidade de uma mudança de valores no âmbito social, em busca de conexões mais significativas uns com os outros. E também a necessidade de se pensar mais criticamente sobre o meio em que estamos inseridos. Nesse sentido, o verdadeiro benefício de histórias como essas, é o de nos tornarmos capazes de reconhecer as armadilhas que um mundo ganancioso coloca para nos manter presos a um universo metafisico que só gera impactos negativos na nossa saúde mental, especialmente no ambiente das redes sociais. O real é o que tocamos, escutamos e sentimos, mas para descobrir o que está por trás de nossas conexões, precisamos nos desconectar.
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