Animes

Dandadan é um absurdo!

Na cidade onde eu morava em Minas Gerais existia um sebo muito bom. Um sebo, para quem nao sabe, é basicamente uma livraria de livros usados, onde você compra/vende, doa ou troca livros. Um conceito que infelizmente se perdeu muito com a era digital. Enfim, esse sebo tinha uma estante específica que era ligeiramente inclinada. Claro, não tão ruim a ponto dos livros deslizarem para fora, mas ruim o suficiente para que, se você olhasse de perto, começaria a se perguntar se o problema estava na estante ou se era o seu próprio senso de equilíbrio que estava errado.

Ela tinha um tom profundo de coisa velha, com alguns arranhões e marcas, e uma das prateleiras tinha aquelas curvas em formato de barriga devido ao peso de muitos livros. Super confiável! Uma aberração visual. Eu às vezes me perguntava porque o dono não substituia aquela estante, mas qualquer aversão que eu tenha sentido por suas imperfeições começou depois de um tempo a ser substituída por uma estranha afeição pelo objeto.

Ela era esquisita mas, apesar de tudo, segurava os livros perfeitamente bem e, embora não fosse impecável, ao menos tinha uma história. Pois é, às vezes o que a gente considera um “defeito” pode ser tanto um motivo de descarte quanto um charme peculiar, tudo depende de quem está olhando. E se há algo que Dandadan entende, é que esquisitice é uma característica, não um defeito.

Dandadan, escrito e ilustrado por Yukinobu Tatsu, é uma das séries de mangá mais eletrizantes, caóticas e absurdamente bizarras que surgiram nos últimos anos. O mangá se encaixa no mesmo universo que Chainsaw Man e Jujutsu Kaisen, mas com particularidades: partes iguais de terror sobrenatural, comédia absurda e ação explosiva. É o tipo de série que joga um yokai mortal contra seu protagonista em um momento e, no seguinte, está falando sobre recuperar testículos. É uma história sobre alienígenas, fantasmas, médiuns e o poder da amizade, como todo bom mangá, mas também sobre paixões adolescentes, família e o significado de abraçar o lado ridículo da vida.

A premissa é enganosamente simples: Momo Ayase, uma garota durona e direta, não acredita em alienígenas, enquanto Okarun, um colega nerd, desdenha da existência de fantasmas. Para provar um ao outro que estão errados, eles visitam locais supostamente assombrados por seus respectivos interesses paranormais—e, claro, ambos acabam provando estar certos da maneira mais aterrorizante possível. O que se segue é uma montanha-russa incessante de batalhas sobrenaturais, humor absurdo e profundidade emocional genuína. Os temas centrais da trama incluem a recuperação do pênis e dos testículos (kintama) de Okarun e o desenvolvimento dos sentimentos românticos entre Momo e Okarun. O mangá é incansável no ritmo, alternando entre momentos de terror e cenas hilárias, muitas vezes dentro do mesmo quadro.

Esse contraste é o que faz de Dandadan algo que é tanto empolgante quanto, às vezes, avassalador. As sequências de ação, ilustradas com um nível impressionante de detalhes e energia cinética, estão entre as melhores do mangá moderno. Os designs das entidades sobrenaturais, sejam eles grotescos yokais ou alienígenas, são inventivos e bem perturbadores também. No entanto, apesar de toda a sua intensidade, a série nunca esquece de injetar calor e humanidade em seus personagens. A dinâmica entre Momo e Okarun é muito gostosa de acompanhar, evoluindo de aliados que relutam entre si para algo que é, ao mesmo tempo, comicamente constrangedor e genuinamente comovente. O relacionamento deles está cheio de constrangimento adolescente, emoções não ditas e um respeito mútuo que faz com que cada momento entre eles pareça merecido.

Outro ponto que me agrada é que Dandadan não é um mangá que pega o leitor pela mão. Ele realmente espera que você aceite sua completa insensatez sem questionar. Tipo assim, estamos falando de uma avó idosa que é uma mestra psíquica aposentada e uma vilã que oference uma chupada em seus seios em troca de jóias familiares, no sentido mais literal. Agora, por que tudo isso funciona tão bem? Não importa. É 8 ou 80, ou você está dentro ou está fora. A série avança a um ritmo tão frenético que parar para questionar sua lógica quase parece perder o ponto. É uma história que prospera justamente em suas contradições, equilibrando terror grotesco e romance sincero, humor vulgar e consequências reais, mas sem nunca diminuir a velocidade o suficiente para que você pense demais sobre tudo isso.

E ainda assim, como aquela estante inclinada, a maior força de Dandadan também pode ser sua maior fraqueza. A intensidade de seu ritmo significa que momentos mais calmos às vezes parecem secundários, e sua insistência no absurdismo pode transformar alguns arco narrativos em excessivos. Bom, também assim como a estante, tudo depende de quem olha, então talvez esse seja o encanto. Dandadan é um mangá que exige sua total atenção, mas que te recompensa com algo verdadeiramente único. É uma experiência, e como todas as grandes experiências, é melhor apreciada se você simplesmente se deixar levar.

Hoje não consigo imaginar aquele sebo em sua estante inclinada. Não porque seja o melhor móvel de lá, mas porque ela completava aquele lugar, mesmo com todas as suas imperfeições. É isso o que sinto de Dandadan, que as coisas que tornam algo estranho, falho e até imprevisível são muitas vezes as mesmas que o tornam inesquecível.

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Para quem não é tão fã de mangás, uma adaptação em anime para a televisão foi anunciada em novembro de 2023, com produção do estúdio Science Saru e dirigida por Fūga Yamashiro. Você consegue assistir pela Crunchyroll.

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