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Samurai de Olhos Azuis: A excelente surpresa de 2023!

2024 começou e eu, para falar a verdade, ainda não sei como vou tocar esse site aqui. Mas ainda é o meu cantinho, então vamos indo conforme as coisas vão acontecendo, né? O primeiro post do ano vai ser, na verdade, uma indicação.

Recentemente, eu assisti à nova animação da Netflix, “Samurai de olhos azuis“. Fazia tempo que eu não maratonava alguma coisa na TV para falar a verdade, então essa série foi uma grata surpresa. Criada por Michael Green (que co-escreveu Logan e Blade Runner 2049) e Amber Noizumi, a história gira em torno de Mizu, que inicialmente se apresenta como um samurai extremamente habilidoso, com estranhos olhos azuis, numa quest pessoal mas que logo, com o se aprofundar da história, demonstra mais camadas e nos revela que, na verdade, Mizu é uma mulher numa busca insana por vingança.

A história de Mizu está repleta de dor desde o início. Sua mãe foi violentada por um “Homem Branco“, e é daí que ela ganha seus misteriosos olhos azuis – ela é uma “mestiça”, rejeitada por seu próprio povo japonês. Um incêndio criminoso na casa de Mizu acarreta na morte de sua mãe e desperta nela seu desejo de vingança. Ela então decide ir atrás dos Homens Brancos.

Por mais que essa seja uma premissa já conhecida (nada de muito novo em uma história de Samurai buscando vingança), a forma como a história é contada e o fato de Mizu ser uma mulher disfarçada de homem transforma o enredo em algo muito interessante e nostálgico de certa forma, dada a fortíssima influência de Kill Bill aqui. A saga de Mizu ecoa muito com o que a Noiva, interpretada por Uma Thurman em Kill Bill, faz em seu filme. São paralelos interessantes entre a obra de Tarantino e a série.

Mizu, assim como A Noiva, atribui a seus inimigos a responsabilidade por roubar sua liberdade, manchar sua identidade e condená-la a uma vida de infelicidade e muito preconceito. A narrativa de Mizu possui uma carga emocional bem semelhante à de Noiva, à medida que ela investe anos em um treinamento orientado por um habilidoso forjador de espadas cego, onde ela evolui para a habilidosa Samurai que se tornou.

Essa referência (ou homenagem) à Kill Bill na série não apenas estabelece uma conexão entre as duas obras, mas também destaca os temas centrais de empoderamento e feminismo que permeiam a jornada de Mizu. No entanto, apesar de a trajetória de Mizu ser por si só uma pauta feminista muito forte também, é na personagem Akemi que a série mais se aprofunda nas questões de direitos e deveres da mulher, bem como o forte machismo no Japão daquele período.

Akemi é uma princesa, filha do senhor samurai Tokunobu Daichi, o qual segue à risca os costumes tradicionais de sua sociedade. Quando necessário, ela se torna a filha de fala mansa, respeitosa e de voz tradicional que seu pai espera que ela seja. Porém, com aqueles em quem ela confia, Akemi pode ser ela mesma: inteligente, sucinta e determinada, falando num tom grave mais forte.

Akemi deseja ser uma mulher livre e se casar com quem ela realmente deseja se casar, o respeitável samurai Taigen. Ela até chega a convencer seu pai a permitir o casamento, no entanto, Taigen tem sua honra manchada ao perder sua primeira luta pelas mãos de Mizu, o que acarreta no cancelamento do noivado. Akemi volta então a ter seu destino definido por seu pai e o que lhe resta é fugir em busca do que realmente deseja.

O legal é que, ao longo da temporada, vemos um desenvolvimento interessante dessa personagem. Não são só duas vias entre o que querem para ela e o que ela quer para si mesma. Ao explorar o mundo externo por si própria, Akemi vê o mundo de outra forma, entende seus privilégios como princesa e, principalmente, começa a desenvolver dentro de si um desejo de saber como operar de forma melhor e eficaz dentro daquele mundo. É um desejo forte de mudar o status quo e trazer mais dignidade para a classe feminina. O desenvolvimento dessa personagem é muito interessante de se acompanhar.

Tanto ela quanto Mizu são mulheres lutando contra as restrições patriarcais do mundo em que vivem, ainda que cada uma siga um caminho diferente, e muitas vezes conflitante, rumo ao que consideram liberdade.

O que esperar daqui para frente?

Mizu aprendeu coisas importantes nessa primeira parte de sua jornada, mas a série deixa o caminho aberto para maiores desenvolvimentos, o que parece que é o que de fato vai acontecer, já que a Netflix deve renovar o show em breve. Resta saber como essa personagem vai se posicionar daqui para frente, resta descobrir mais sobre os homens brancos e resta também saber como fica a história particular dos outros personagens que compõem a trama.

Ainda sobre a Mizu, esse caminho de vingança geralmente acaba em muita dor e sofrimento, como visto em várias histórias diferentes. Vimos isso em The Last of Us Part II, por exemplo, mas, para quem gosta de mangá e já leu Vagabond, de Takehiko Inoue, viu também que os últimos capítulos, ainda que de uma obra inacabada, são de pura reflexão do Musashi sobre o caminho violento que ele trilhou até ali. O ódio é um ciclo e a única forma de se desvincular disso é quebrando-o. Estou ansioso para ver qual será o destino da nossa mais nova querida Samurai.

Outros (e não menos importantes) personagens

Ringo

Ringo é um querido! Ele nasceu sem mãos, uma deficiência que poderia ter resultado em sua morte ainda criança (devido ao estigma de azar no folclore japonês). Sempre trabalhou com eu pai, o qual batia nele por fazer muitas perguntas e constantemente o humilhava na frente dos clientes em sua taberna. Não se sabe o que aconteceu com a mãe de Ringo, que nunca é mostrada, mas ela provavelmente morreu no início da série.

Ringo deseja ser alguém, deseja ter um dom. Em suas próprias palavras: Deseja ser grande. Não demora muito para você perceber que grande mesmo é o coração desse personagem.

Buscando seu desejo, Ringo decide acompanhar Mizu sendo seu aprendiz durante sua jornada. Mais do que um aprendiz, ele se mostra crucial para a sobrevivência da personagem principal durante a temporada.

Mestre Eiji

Mestre Eiji é um ferreiro cego, um mestre artesão de espadas e serve como mentor e figura paterna de Mizu. Ele passou toda a sua vida como fabricante de espadas em uma cabana não muito longe da cidade onde Mizu cresceu, Kohama. Em algum momento de sua vida ele ficou permanentemente cego devido a um acidente com fogo. Não se sabe muito sobre sua infância. Mais tarde, ele aceitou Mizu como aprendiz. Ele a cria como se fosse sua, fazendo dela seus olhos. Conforme ela envelhece, ele descobre que ela está praticando suas habilidades de espadachim. Apesar de não aprovar muito, ele a deixa praticar à noite. Mestre Eiji foi fundamental na construção técnica de Mizu.

Taigen

Taigen nasceu na vila de Kohama, mesma em que Mizu cresceu, e enfrentou uma infância desafiadora com um pai alcoólatra e abusivo. Determinado a escapar desta vida, ele aspirava a se tornar um samurai, vendo isso como sua passagem para um futuro melhor. A força e as habilidades de liderança de Taigen surgiram cedo, tornando-o o líder das crianças locais.

Ele encontrou Mizu, uma garota meio caucasiana com uma aparência pouco convencional, que se tornou alvo de bullying depois que sua cabana foi incendiada. Taigen, alimentado pela raiva e pela ignorância, atormentou Mizu, sem saber que mais tarde ela se tornaria aprendiz do Mestre Eiji.

Depois de deixar Kohama após a morte de seu pai, Taigen perseguiu seu sonho em Kyoto, destacando-se no Shindo Dojo e ganhando o favor de um daimyo, Lorde Tokunobu Daiichi. Agora como um samurai habilidoso, ele desenvolveu uma atração mútua pela filha de Daiichi, Akemi, e abraçou os valores tradicionais do bushido. A série começa com Taigen, um tanto arrogante, mas sério em relação ao bushido, mantendo a posição social de samurai, apesar de não possuir terras. Após perder uma luta para Mizu e ter sua honra manchada, Taigen passa a perseguir a Samurai em busca de recuperar sua honra, mas acaba se envolvendo em outras empreitadas e evoluindo de um cara arrogante, para um raro e leal companheiro.

Madame Kaji

Madame Kaji é uma personagem muito legal e uma mulher que conseguiu encontrar autonomia sobre a sua vida num mundo hostil à sua classe, ainda que você questione os meios ou não. Áspera, imperturbável, sábia e nada sentimental, ela construiu seu caminho até se tornar uma dona de bordel, onde administra um grupo de prostitutas. Como cortesã (chamada Oiran no Japão), ela tem habilidades de entretenimento e treinamento nas artes tradicionais mais refinadas do que as prostitutas comuns. Madame Kaji tem um papel importante no arco de Akemi dentro da história e traz uma perspectiva interessante sobre o mundo em que está inserida.

Abijah Fowler

Abijah Fowler é um contrabandista irlandês de armas e ópio e comerciante influente com sede de violência, ele lidera uma conspiração contra o Shogunato com Heiiji Shindo e seus co-conspiradores, Lorde Tokunobu Daiichi e o conselheiro do Shogun, Chiba. Fowler atua como o principal antagonista dessa primeira temporada e é um personagem que promete muito ainda.

Como vilão, Fowler é um personagem imponente, poderoso e cruel. Vê-se que ele tem um ar de superioridade dada sua classe e disposição de armas de fogo. É o tipo de vilão que você torce o nariz na primeira vista mas é também o tipo de vilão que é muito legal de acompanhar, especialmente em seus diálogos.

Heiji Shindo

Heiji Shindo é um comerciante e membro do clã samurai Shindo, ele atua como antagonista coadjuvante, como co-conspirador de Abijah Fowler. Fowler pretende configurá-lo como o novo Shogun ou como o poder por trás de quem servirá como fantoche de Shindo. Isso permitiria que ele e Fowler assumissem conjuntamente o controle do governo do Japão, auxiliados por vários daimyos traiçoeiros na corte do Shogun, reunissem bandos de samurais descontentes com o governo do Shogun e armas avançadas contrabandeadas de fora do Japão.

Esse é um dos personagens mais interessantes da série. Heiji é um intermediário do mercado negro, negociando prostitutas, ópio e produtos raros do Ocidente, incluindo armas ilegais. Ele afirma que viu “espadachins verdadeiramente grandes” suficientes em sua juventude, para saber que seus talentos estavam em outro lugar, então, apesar de sua formação como samurai, ele seguiu uma carreira como comerciante – uma posição que lhe permitiu acumular grande riqueza, mas que foi considerada o mais baixo em prestígio das quatro castas sociais.

Vale a pena!

Samurai de Olhos Azuis foi uma das melhores surpresas de 2023. Particularmente, vi muito pouca divulgação da Netflix sobre a série, mas acredito que ela tenha tido sucesso suficiente para ganhar mais atenção nas próximas temporadas. Em oito episódios, a série apresenta um amplo elenco de personagens e, mais importante, explora suas motivações e conflitos internos. A animação fica por conta da Blue Spirit Studios, que é o mesmo grupo que fez “What If?“. A arte cativa e é muito bem feita, complementando o enredo. Vale ressaltar também que essa é uma série +18, não só pela violência gráfica, mas também pelas cenas de nudez e sexo. Apesar disso, a série ganha ainda mais pontos ao não tornar seus aspectos adultos gratuitos na história.

A arte por si só é incrível e não é muito difícil você perceber isso, já que é quase impossível desviar o olhar da tela devido à alta qualidade das cenas, fora as paisagens e tudo mais. Como complemento a isso, recomendo um artigo muito legal do site Aftermath escrito por Luke Plunkett. Nesse trabalho, ele destrincha os traços e detalhes dos desenhos dos personagens, com trechos de comentários dos próprios desenhistas.

Vale a pena conferir!

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Material de Referência

1 – Blue Eye Samurai’s Biggest Influences, Explained, CBR (https://www.cbr.com/blue-eye-samurai-influences-kill-bill-mulan-logan-wolverine/)

2 – Blue Eye Samurai Wiki, Fandom (https://blue-eye-samurai.fandom.com/wiki/Blue_Eye_Samurai_Wiki)

3 – The Art Of Blue Eye Samurai, One Of The Prettiest Shows On Television, Aftermath (https://aftermath.site/blue-eye-samurai-concept-art-interview)

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