Robert Eggers e a Arte do “Terror Gostoso”
Uma das coisas que eu costumo fazer quando estou atôa na internet é acompanhar blogs, canais de cinema, literatura e análises em cima disso. Pode parecer coisa de nerd, mas esse tipo de conteúdo têm um aspecto cultural interessante, já que eles trazem sempre novas visões e interpretações sobre vários temas, o que nos faz rever nossas ideias ou, o mais legal de tudo, nos permite experimentar conceitos totalmente novos.
Por muito tempo não fui um grande apreciador de filmes de terror. “É muito jump scare ou roteiro repetido” – acho que essa frase era tão automática na minha cabeça que eu já desanimava até mesmo de tentar dar qualquer chance para esse estilo de filme. Ocorre que, nesse meu tempinho de bobeira na internet, conheci a Adriana Cecchi. Ela tem um canal excelente no YouTube chamado “Redatora de M*%$#“, onde ela traz dicas e resenhas de livros, lista de filmes e troca uma ideia bem legal com o público que curte esse tipo de conteúdo, além de um blog também. Recomendo demais. E, bem, a Adriana criou um conceito de terror que me ganhou logo quando ouvi o nome pela primeira vez: Terror Gostoso. Para entender melhor sobre isso, você pode acessar a lista no letterboxd, mas, trazendo para cá a descrição da própria autora no Letterboxd, o termo é definido como o seguinte:
“Filmes de TERROR PSICOLÓGICO para você distrair a mente ❤ Bons filmes de terror para assistir e imergir. Criei a categoria “terror gostoso” para identificar filmes de terror que valem a pena ser assistidos, aqueles que trabalham a tensão psicológica do começo ao fim.”
Cara, posso dizer com segurança que hoje eu amo um terrorzinho bem feito e isso veio muito desse ponto de vista mais psicológico. Nessa lista, por exemplo, incríveis como “Saint Maud” ou “Ao cair da noite” são histórias dentro do terror, mas que te trazem uma sensação totalmente diferente e imersiva ao assistir. É uma listinha obrigatória!
Ainda sobre esse conceito, também venho observando que alguns dos meus filmes favoritos do gênero de terror e afins tem vindo sempre de uma fonte em comum: O diretor Robert Eggers. É sobre ele que quero escrever aqui hoje.
Eggers é um diretor americano, bastante promissor inclusive, e muito conhecido pelos seus aclamados trabalhos em “A Bruxa (The Witch)”, “O Farol (The Lighthouse)” e “O homem do Norte (The Northman)”. É impressionante, o cara tem 3 filmes e já redefiniu o conceito de portfólio (XD). Dentre suas características, além dos elementos folclóricos que ele coloca em seus filmes, está a autenticidade, especialmente nos contextos históricos. Mas o que mais gosto em seus filmes é a atmosfera e aquela tensãozinha gostosa que vai sendo construída aos poucos ao longo da narrativa até queimar de forma maravilhosa. O terror presente em seus filmes é provocador e mexe com nosso psicológico, se encaixando perfeitamente nesse maravilhoso conceito de “terror gostoso“.
Entao eu separei alguns pontos para ilustrar como esse diretor domina a arte desse estilo de filme.
Atmosfera e Autenticidade
Robert Eggers é um diretor bem atencioso no que diz respeito ao visual e sensação que seus filmes passam. O cenário, as roupas, a fotografia, nada está ali só por estar, mas se integra com o filme criando um senso de autenticidade e realidade para quem está assistindo. Ele não é o único diretor que faz isso, claro, mas essa tem sido uma de suas assinaturas principais. Seu último filme, The Northman, é um exemplo perfeito do quão sério o diretor leva essa questão de autenticidade.
The Northman tem suas raízes na história e o diretor se esforça muito para trazer seu enredo o mais próximo possível da realidade. O filme é um sangrento e violento conto nórdico do príncipe Amleth (Alexander Skarsgård) em sua missão determinada pelo destino para vingar o assassinato de seu pai, o rei Aurvandil War-Raven (Ethan Hawke) por seu tio Fjölnir (Claes Bang), e se reunir com sua mãe, a rainha Gudrún (Nicole Kidman). Essa história se passa na Islândia durante a Era Viking.
No caso desse filme, a produção consultou especialistas, incluindo o arqueólogo e especialista da Era Viking, Neil Price, para garantir a precisão dos cenários, acessórios e figurinos do filme. O elenco também passou por um treinamento histórico, tipo como aprender a remar um barco viking como no passado. Apesar dos desafios de usar técnicas de construção tradicionais, a equipe conseguiu criar um mundo viking de aparência extremamente realista, com até mesmo as madeiras expostas dos edifícios pintadas com gesso para aumentar essa sensação. Existe um artigo muito legal sobre toda a montagem e alguns outros detalhes legais sobre esse filme. Vale a pena a leitura.
E a atmosfera caminha lado a lado com isso. Nas palavras do próprio Eggers:
“Para mim e meus colaboradores todos nós sabemos qual é a barreira: é a precisão. Isso alinha todos […] Também reduz o tempo, porque sabemos que uma das coisas que isso faz para o público é que o torna mais e mais envolvente, porque a atmosfera é um acúmulo de detalhes. Podemos obter mais detalhes mais rapidamente … Mas também, porque estou interessado não apenas no mundo físico, mas no que está dentro da mente da Era Viking, sinto que não posso realmente expressar isso honestamente sem ver como eles expressam-se visualmente.”
O diretor consegue em seus filmes criar um ambiente imersivo e perturbador que atrai o público e o mantém no limite. A iluminação, o design de som e a cinematografia são usados para aumentar a sensação de desconforto. Isso é lindo e isso é genial.
Construção de terror e tensão
Os filmes do Eggers definitivamente não são de Jump Scare ou Gore gratuito. Ele prefere construir a tensão lentamente ao longo da história e geralmente ele é relacionado ao gênero de “terror psicológico” pois ele usa as lutas internas e os medos dos personagens para criar uma atmosfera de pavor. Gostoso demais!
O resultado disso é que você vai ver um filme com tomadas mais longas, sem pausas e com menos diálogo, isso cria mais tensão em quem assiste. Em “A Bruxa”, há longos períodos de silêncio onde você só ouve a trilha sinistra de fundo. Com isso, sentimos sempre um forte desconforto e somos obrigados a estar o tempo inteiro em alerta, já que a sensação de perigo eminente é constante. Aliás, vamos falar sobre esse filme.
A Bruxa é um filme de 2015 e eu diria que, dos 3, este ainda é o meu favorito. Além de excelente, eu pessoalmente acho que esse filme abriu a porteira para outras obras, de outros diretores e de gênero e estilo parecido que vieram mais para frente, o que trouxe muito mais vida a essa categoria de terror. Recentemente, temos visto filmes de terror incríveis sendo lançados. Não que não houvessem no passado, mas, durante um certo tempo, o terror ficou meio que jogado para escanteio e representado em obras menos criativas na minha humilde opinião.
Voltando ao enredo, A Bruxa é um filme ambientado na Nova Inglaterra, por volta do século 17, e segue uma família puritana que começa a ter experiencias sobrenaturais após ser banida de sua comunidade. O filme explora bastante temas como fanatismo religioso, dinâmica familiar e o medo do desconhecido.
A maneira como Robert Eggers constrói esse filme é bem interessante. Ele combina som e visual, através dos planos do filme, para criar essa sensação de desconforto que eu já mencionei aqui. E como ele é ótimo nessa construção, essa sensação vai aumentando gradualmente ao longo da história. O ambiente também ajuda: O filme se passa em uma floresta e a casa onde a família vive está bem isolada, causando um certo pavor. E, claro, o aspecto religioso aqui também é muito forte, já que os pais de Thomasin, filha mais velha e personagem principal na trama, acreditam que estão sendo punidos por Deus. E é justamente a Thomasin quem enfrenta as consequências da paranoia de sua família.
Por fim, temos o ritmo do filme: ele é mais lento e isso ajuda nessa construção gradual de tensão, onde os elementos de terror do enredo vão se tornando mais evidentes com o passar do tempo. Sem sustos exagerados e sustentados especialmente pela trilha sonora que é propositalmente desconfortante. E quando esses elementos atingem seu pico, Eggers entrega uma obra original, transgressora e psicologicamente aterrorizante.
Insanidade e trevas
Robert Eggers explora bastante temas mais sombrios, como esse fanatismo religioso de A Bruxa e a vingança em The Northman, além de simbologias sobrenaturais, folclóricas e míticas. Mas ele também é muito bom quando aborda isolamento e loucura. Se em A Bruxa temos a família da Thomasin, isolada em uma floresta, em O Farol esse tema é bem melhor retratado, onde o isolamento literalmente leva dois faroleiros à loucura.
O Farol se passa em uma ilha remota onde dois homens, incrivelmente interpretados por Willem Dafoe e Robert Pattinson, estão “presos” juntos. O isolamento, as duras condições climáticas e o ambiente opressivo do próprio farol criam uma atmosfera claustrofóbica e inquietante que, além de contribuir para a sensação de loucura e pavor, vão lentamente destruindo o psicológico dos personagens.
Na verdade os próprios personagens também contribuem para essa insanidade. Ambos têm segredos e passados conturbados revelados gradualmente ao longo do filme, e eles começam a se voltar um contra o outro na medida em que seus estados mentais vão se deteriorando. Aqui, a linha entre o real e a alucinação é bem tênue, provocando um horror lovecraftiano, com aquela sensação desesperadora de estar diante de algo desconhecido e que não se explica logicamente.
Aliás, a loucura é uma peça chave para criar uma experiência assombrosa e atmosférica em O Farol. Ao longo da história, o farol serve como uma representação simbólica da deterioração do estado mental dos personagens. O som constante de buzina, o layout claustrofóbico e labiríntico e a luz sempre presente que enlouquece os personagens contribuem para essa vibe mais inquietante do filme. Robert Eggers também usa a filmagem em preto e branco e eu acho que isso dá um tom ainda mais opressivo e sufocante para a narrativa.
À medida em que os dois personagens mergulham cada um em sua loucura, seu comportamento se torna cada vez mais perturbador. Eles se envolvem em violência física, discursos bêbados (tem MUITA cachaça nesse filme) e alucinações. E os elementos lovecraftianos, como criaturas marinhas com tentáculos e referências a deuses, reforçam ainda mais a ideia de horror cósmico e ajudam nesse processo de loucura dos personagens.
O Farol não é um filme para qualquer um, tem um ritmo arrastado e uma história que exige atenção total de quem está assistindo. Porém, caso esse estilo de filme seja de seu agrado, saiba que Robert Eggers entrega uma obra de arte.
Especialista em Terror Gostoso
Eggers tem sido uma figura muito importante no gênero de terror devido à sua abordagem única para contar histórias e seu compromisso com a precisão histórica em seus filmes. Sua capacidade em criar uma tensão lenta, pavor atmosférico e sua atenção aos detalhes em design de produção, cinematografia e som são raros. E com apenas 3 filmes ele já mostrou à que veio.
Através de suas obras, com narrativas não convencionais e sem o uso exacerbado de gore ou jump scare, ele mostra que de fato domina a arte do terror gostoso. Eggers também tem sucesso na criação de um estilo visual distinto que é tanto perturbador quanto envolvente. No geral, é um cara que tem ajudado a redefinir os limites do que pode ser alcançado em termos de narrativa, atmosfera e profundidade temática.
Como ele vai se consolidar, só o futuro dirá. É esperado que um dos seu próximo filme, Nosferatu, trará novas e gostosas contribuições para esse gênero ao qual temos tanto carinho. Eu tô botando muita fé nesse filme!
Que sempre tenhamos um bom terror gostoso para assistir!
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Material de Referência
1 – Letterboxd @dricecchi: “Terror Gostoso” (https://letterboxd.com/dricecchi/list/terror-gostoso/)
2 – Letterboxd: “Robert Eggers” (https://letterboxd.com/director/robert-eggers/)
3 – Time – “The True Story Behind The Northman” (https://time.com/6169501/the-northman-history-behind/)
4 – Wikipedia – “Jump Scare” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Jump_scare)
5 – Canaltech – “O que é um filme gore?” (https://canaltech.com.br/cinema/o-que-e-um-filme-gore/)
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