“Charles, o mundo não é mais o mesmo” – Logan e o fim do sonho mutante
Quando se trata de super-heróis, poucos encarnaram tão bem o desespero existencial e o acerto de contas pessoal quanto o Wolverine de Hugh Jackman em Logan — um filme que se desvia bruscamente das batalhas operáticas e das ameaças globais dos filmes anteriores dos X-Men para contar uma história mais silenciosa e brutal sobre a mortalidade. Existe um momento no filme, que meio que virou meme depois, onde Logan diz o seguinte ao professor Xavier: “Charles, o mundo não é mais o mesmo”. Pode parecer uma frase simples, mas ela reverbera por todo o restante da narrativa, espelhando não apenas um mundo transformado, mas também um homem transformado. Antes parte de uma equipe que salvava o mundo, Logan agora trabalha como motorista de limusine e se automedica com álcool. Seus poderes mutantes estão enfraquecendo, seus amigos estão mortos ou desapareceram, e o sonho utópico de coexistência entre humanos e mutantes praticamente se desfez.

Mas vamos focar naquela frase. Ela é mais do que uma constatação, é quase um lamento fúnebre. E vem de um personagem que passou todo o seu arco resistindo ao idealismo, apenas para, no fim, desejar poder acreditar nele. O cansaço de Logan é refletido no mundo ao seu redor. Mutantes já não nascem naturalmente, e a máquina corporativa que antes buscava explorar seus poderes agora tenta eliminar os últimos sobreviventes. “Charles, o mundo não é mais o mesmo…” . É uma realização, uma confissão e um elogio fúnebre ao mesmo tempo, é o reconhecimento de que a esperança à qual Xavier se agarrava se foi, ou talvez nunca tenha existido de fato.
Só que essa linha, sendo dita por Logan, carrega ainda mais peso por causa de quem ele é: um personagem que sempre esteve à beira da escuridão, que nunca esteve completamente em paz com seus poderes ou com seu papel de herói. Seus relacionamentos foram conturbados, seu passado, mergulhado em traumas, e suas ações muitas vezes foram motivadas mais por vingança do que por virtude. Durante grande parte da franquia, Logan foi o protetor relutante, chamado para matar quando ninguém mais podia, e assombrado por cada vida tirada. Em Logan, essa sombra finalmente consome o mundo ao seu redor, e o força a encarar o que significa continuar vivendo.

A frase também reposiciona Charles Xavier (Patrick Stewart), que antes irradiava autoridade e clareza moral, como um vestígio de uma era que ficou para trás. Em Logan, Xavier está física e mentalmente debilitado, sua mente poderosa agora sujeita a convulsões que podem matar. Ele já não é mais o líder imponente em uma mansão de alta tecnologia, mas um homem frágil abrigado em um tanque de água enferrujado no México, cuidado por um de seus últimos alunos. O filme retira os visuais elegantes e o tom otimista dos filmes anteriores dos X-Men, substituindo-os por ferrugem, poeira e sangue. Aquela citação inicial, portanto, faz mais do que estabelecer o clima, ela ressignifica tudo o que veio antes como o sonho de um mundo diferente, que fracassou.
E ainda assim, Logan não está desprovido de esperança. A chegada de Laura, uma jovem garota clonada a partir do DNA de Logan, reacende algo que estava adormecido no personagem. Embora ele inicialmente resista a ela e à responsabilidade que ela representa, Laura gradualmente se torna a personificação do futuro que Logan havia abandonado. E, veja só, sua própria existência desafia a melancolia da declaração: talvez o mundo realmente não seja mais o mesmo, mas talvez ainda não esteja além da salvação. Então não é sobre o que foi perdido, mas sobre o que ainda pode ser transmitido. Legal, nao acha?
Enquanto Logan agoniza, suas palavras finais para Laura – “Não seja o que fizeram de você” – de certa forma remetem àquela primeira citação. O mundo pode não ser mais aquilo em que Charles acreditava, mas Laura não precisa seguir o mesmo caminho quebrado. Ela pode traçar algo novo. Nesse sentido, “o mundo não é mais o mesmo” se torna não apenas um lamento, mas um ponto de virada. Reconhece o fim de uma era para que outra possa nascer.

Em uma franquia que sempre trabalhou com alegorias, Logan reduz os símbolos ao osso. Os mutantes já não representam os direitos civis, a identidade queer ou a alteridade — eles estão quase extintos. O que resta é algo mais cru: o acerto de contas de um homem com seu legado, sua violência e sua capacidade de amar. “Charles, o mundo não é mais o mesmo…” – essa é uma declaração de perda, mas no ato final de Logan, quando ele escolhe lutar, não porque deve, mas porque acredita, ela se transforma na porta de entrada para um tipo de redenção duramente conquistada.
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