Animes

As deliciosas estéticas dos animes dos anos 90

Confesso que não tenho assistido à muitos animes recentemente ou, para ser mais sincero, à algum tempo. Mas meu lado apreciador continua vivo de certa forma e, de uns tempos para cá, acho que me viciei em estéticas, especialmente as estéticas dos anos 90. E isso não é um gosto peculiar meu, vejo muitas pessoas que simplesmente adoram o mesmo conceito, especialmente no Twitter ou mesmo no Pinterest.

Os gráficos dos animes especialmente na década de 90 são bastante apreciados ainda hoje.

Com isso, vêm algumas perguntas: Por que as estéticas de animes antigos são tão atraentes? O que tem de especial na década de 90 e o que aconteceu com as animações atuais?

Para responder a essas perguntas, precisamos entender como eram feitas as animações naquele período e como elas são feitas hoje. E também o aspecto tecnológico que acabou provocando essas mudanças. Acho que vai ser legal explorar tudo isso.

Mas antes, é importante dizer que este vai ser um longo texto. Espero que você chegue até o final comigo! 🙂

A estética dos animes ao longo do tempo

Os animes possuem um estilo estético próprio, caracterizado por elementos visuais únicos. De cara, você já sabe se está assistindo à um anime ou não. Seu design de personagem geralmente apresenta olhos grandes e expressivos, penteados coloridos e expressões faciais exageradas que transmitem uma gama de emoções (aliás, escrevi sobre expressões faciais nesse texto aqui). O exagero visual adiciona vida e humor, inserido em cenários bem envolventes. Simbolismo e imagens adicionam profundidade, e a geralmente muito bonita gama de paletas de cores aprimora ainda mais o visual e traz novas emoções também. Daí temos todos os movimentos dinâmicos e as boas sequências de ação que nos enxem os olhos. Enfim, são esses estilos específicos desse gênero que chamamos de “anime” que contribuem para a estética diferenciada.

Sailor Moon (1992)

Bom, como tudo nessa vida, a arte também muda. Os animes japoneses passaram por mudanças estéticas significativas ao longo de sua história, refletindo obviamente os avanços da tecnologia, as mudanças nas tendências artísticas e a influência de cada época. No início, os animes se inspiravam nos estilos de arte e mangá tradicionais japoneses. Tinham lá suas limitações tecnológicas e as animações eram caracterizadas por designs mais simples, paletas de cores mínimas e planos de fundo estáticos. Por exemplo, Astro Boy, de 1963.

Astro Boy (1963)

Com o passar dos anos, a gente começou a ver mudanças mais significativas nas estéticas dos animes. A introdução de novas técnicas de animação e o aumento dos orçamentos de produção permitiram visuais mais detalhados e dinâmicos. Os desenhos dos personagens ganharam mais estilos, com linhas mais definidas, traços um pouco mais exagerados e cores bem vibrantes. Os anos 80 trouxeram bastante coisa nesse sentido, incluindo nosso querido Dragon Ball, de 1986 e Dragon Ball Z, de 1989. Esse anime, no entanto, teve sua explosão de popularidade na década seguinte, representando o gênero de artes marciais.

Dragon Ball (1986)

Claro, não dá para falar da década de 80 sem citar o glorioso Studio Ghibli. Essa produtora teve uma contribuição incomparável na arte de animes, criando obras-primas como Meu Amigo Totoro (1988) e Serviço de Entregas da Kiki (1987). Fundado em 1985 por Hayao Miyazaki, Isao Takahata e Toshio Suzuki, o Studio Ghibli recebeu esse nome porque, como o vento do Saara, os fundadores procuraram dar uma nova vida à indústria. Seu primeiro filme é Nausicaä do Vale do Vento, lançado em 1984.

Meu Amigo Totoro (1988)
Serviço de Entregas da Kiki (1987)

As animações do Studio Ghibli possuem uma estética que valoriza a simplicidade e a natureza, rementendo a uma ideia de encontrar paz e fuga em um mundo que parece caótico e dependente da tecnologia. Seus filmes tem ênfase na bondade, compaixão e temas inclusivos. Podemos reconhecer detalhes familiares da vida cotidiana nos cenários dos filmes da Ghibli, isso nos permite fugir um pouquinho dos aspectos menos agradáveis ​​da nossa realidade.

A década seguinte trouxe ainda mais avanços na tecnologia e os anos 90 deram uma ênfase melhor na narrativa e na profundidade temática. Os animes dessa época exibiam diversos estilos de arte, designs mais coloridos e caprichosos, como em Sailor Moon, e até mesmo estéticas mais cyberpunk, como a gente vê em Akira. As expressões dos personagens melhoraram e novas experimentações foram feitas também, considerando que os anos 90 trouxeram a terceira onda do feminismo, onde as discussões de gênero foram aprimoradas e impactaram também a cultura pop. Eu falei um pouquinho disso no meu texto sobre Chrono Trigger.

Lançado no final dos anos 80, Akira (1988) perdurou como clássico que, além de ter um impacto gigante na animação, também trouxe bastante das características dos anos 90 em termos de estética.

Slam Dunk também teve uma grande importância cultural à partir de seu lançamento, em 1993, popularizando o basquete entre os jovens japoneses durante a década. Slam Dunk focava bastante em realismo, discursos inspiradores e sua ideia central estava nos fortes laços de equipe. O artista Takehiko Inoue e sua editora Shueisha criaram inclusive um programa de bolsas de Slam Dunk em 2006, concedendo uma bolsa de estudos acadêmica e atlética totalmente paga para uma escola preparatória para universidade nos EUA. Em 2010, Inoue recebeu elogios especiais da Associação Japonesa de Basquete por seu trabalho na popularização basquete no país. Através de seus traços e expressões, a estética de Slam Dunk queria demonstrar os sentimentos de alguns atletas, como o que pensam quando ganham, perdem ou melhoram no esporte.

Eu já escrevi sobre outra obra de Takehiko Inoue aqui no blog: Vagabond. É meu mangá favorito, te convido à dar uma olhada depois.

Bom, com o passar do tempo e mais avanços tecnológicos, tivemos a inclusão de imagens geradas por computador (CGI), e os animes incorporaram técnicas digitais ao lado das tradicionais animações desenhadas à mão. Isso trouxe bons resultados também. Esses avanços tiveram muito sucesso por exemplo no uso de CGI para mecha e em sequências de ação, como a gente vê em “Fullmetal Alchemist” (2003). E essa mistura de estilos de animação digital e tradicional acabou se tornando uma característica definidora.

Full Metal Alchemist introduziu os novos e bons conceitos da estética das animações japonesas no início dos anos 2000.

E assim, atualmente, temos visto um foco maior na narrativa visual, ultrapassando os limites das técnicas de animação e misturando estilos de arte tradicionais e digitais. Os avanços na tecnologia permitiram uma animação mais fluida, detalhes mais vivos e uma construção de mundo mais envolvente. É o que vemos em Demon Slayer (2019), mas também em Attack on Titan (2013).

Demon Slayer segue evoluindo sua animação e revelando novas tendências.
Attack on Titan (2013)

Legal mas, se a arte inevitavelmente muda e se houveram tantas mudanças positivas, por quê existe essa forte apreciação pela estética mais antiga, especialmente a dos anos 90? Pelo mesmo motivo dos quais as pessoas adoram coisas “vintages“: A nostalgia. Essa é uma emoção poderosa que nos traz sentimentos de calor, conforto e saudade do passado. O vintage geralmente nos lembra da infância, de uma época mais simples ou de uma época específica onde a gente se sente mais conectados. O valor sentimental disso é inigualável. E os anos 90 possuiam algumas coisas que foram muito características daquele período. Bora retornar à esse período.

O estilo artístico dos anos 90

Como já dito antes, a estética dos animes especialmente na década de 90 apresentava estilos de arte distintos caracterizados por animação detalhada desenhada à mão, cores vibrantes e designs de personagens expressivos. Esse estilo traz essa sensação gostosa de nostalgia e se destaca em contraste com as técnicas mais modernas de animação digital. Ele também serve como um lembrete da estética daquela época e como ela sempre estará, de certa forma, ligada aos métodos tradicionais de animação. É a combinação desses fatores que traz uma sensação de charme e conforto à tela. Com características tão marcantes, a era dos anos 90 na animação japonesa ajudou a criar o caminho para que os animes modernos florescessem nos mercados doméstico e global, atraindo o público e mantendo a animação japonesa quente e viva.

O estilo artístico de “Perfect Blue” (1997), por exemplo, reflete essas características únicas dos anos 90. Esse é um filme que combina designs de personagens realistas, imagens psicológicas, uma paleta de cores sutil, arte de fundo detalhada e técnicas de animação muito habilidosas.

Perfect Blue (1997)

Princesa Mononoke (1997), outra obra bastante apreciada dessa época e criada pelo Studio Ghibli exibe em uma jornada de reconciliação entre o homem e a natureza tanto a animação visualmente atraente quanto o “estilo Studio Ghibli” que ainda hoje é elogiado. Apesar da “falta de tecnologia moderna” durante a década de 90 (o primeiro filme de animação por computador foi Toy Story, em 1995), Princesa Mononoke traz uma sensação de nostalgia em sua estética através de suas técnicas tradicionais de animação e molduras desenhadas à mão.

Princesa Mononoke (1997)

O sentimento de pertencimento

Os anos 90 foram uma época de diversidade de gênero no anime, especialmente com o avanço do feminismo. Mas tivemos animes como “Neon Genesis Evangelion” que trouxeram bastante profundidade narrativa ao nosso sentimento de pertencimento, depressão ou até mesmo temas familiares.

Evangelion joga uma luz sobre a depressão adolescente, apresenta dilemas morais sobre a paternidade e faz experiências com os limites do psicológico humano. No trio principal de personagens, adolescentes escolhidos para pilotar robôs enormes para salvar a humanidade de criaturas monstruosas chamadas “Anjos”, cada um tenta combater conflitos externos e internos, desde brigas com os Anjos até enfrentar traumas de infância, o medo do abandono e o busca de sentido na vida – problemas que são dolorosamente humanos. Explorar esses tópicos usando personagens adolescentes e adultos permite que Evangelion alcance um público muito pouco representado naquele período e lhe dê esperança para lidar com sua própria saúde mental.

Neon Genesis Evangelion, 1995

Um outro exemplo muito legal é “Cardcaptor Sakura” (1998). Essse é um anime que oferece uma visão bem legal do gênero feminino, combinando elementos de aventura, romance e poderes sobrenaturais. Ele destaca bem a diversidade de gêneros explorados durante a era dos animes dos anos 90.

Pode-se dizer que muitos animes correram riscos durante esse período ao incluir temas controversos e coisas sobre as quais podemos falar mais facilmente hoje, como questões LGBTQ+ e questões de saúde mental, já que estamos falando de uma época onde o preconceito era muito mais acentuado.

O fenômeno Pokemon, o impacto cultural e as inevitáveis mudanças

Um outro ponto fortíssimo e que revela o quão cascudo os anos 90 foram em termos de influência, com certeza é Pokemon. A serie animada foi lançada em 1997, tendo como narrativa a captura e evolução de “monstros de bolso”, chamados Pokemons. Isso escalou absurdamente de maneira global e Pokemon é, até hoje, um produto vivo e poderoso tanto na indústria de animação quanto na de games. Tudo começou quando a Nintendo lançou seus jogos originais Pokémon Red e Pokémon Green em 1996. Esse conceito onde os jogadores podem avançar coletando, treinando e lutando com seus Pokemons rapidamente se popularizou e, um ano depois, tornou-se a base para outras mídias, como anime e Card Games.

Em Pokemon, a animação, os estilos de arte e os personagens cativantes constroem uma atmosfera acolhedora pela qual a gente pode mergulhar em seu mundo e em suas histórias.

Pokemon foi um fenômeno sem precedentes. A franquia era tão popular que parecia que o mundo inteiro estava dominado pela chamada ‘Pokémania’. Ela logo se tornou a franquia de mídia mais valiosa, com uma receita de US$ 100 bilhões e uma base de fãs que notavelmente não diminuiu até hoje, quase 28 anos depois.

Pokemon é uma das maiores franquias DE TODOS OS TEMPOS.

Os animes dos anos 90 desempenharam um papel significativo na globalização e disseminação da cultura pop japonesa. Eles contribuiram para o surgimento do fandom de anime em todo o mundo, e se tornaram um fenômeno cultural. A estética retrô desses animes é o reflexo de toda paixão que temos por essa época até hoje.

Essa foi uma época de ouro na produção de animes. Os traços e até mesmo suas imperfeições trazem um conforto tão gostoso que poucos animes atuais conseguem replicar. Assim como sua influência no mundo fora do japão, em games, bonecos e outras coisas, como foi no caso de Pokemon e Dragon Ball, por exemplo.

E novamente, a arte muda. Nada é para sempre mas algumas coisas certamente ficam mais tempo nas nossas memórias e em nossos corações. Não seria diferente com os animes. Muitos outros memoráveis animes poderiam ser citados aqui: One Piece, Rurouni Kenshi, Slam Dunk…a lista é interminável. A maioria deles quebraram as fronteiras do Japão e consquistaram o mundo. Esse é o maior valor dessa época.

E é por isso que é tão gostoso relembrar seus traços.

Que venham os novos tempos!

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Obrigado por chegar até aqui! Espero que tenha gostado do papo e te convido a dar uma olhada nos outros textos do blog. Um forte abraço!

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