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Precisamos falar sobre o sacrifício de Vegeta

Dragon Ball parece nunca ficar fora de moda, não é? Durante muito tempo, esse foi meu anime favorito. Eu adorava acompanhar as histórias e as lutas, e esse era um anime que, apesar de parecer meio raso às vezes, me despertava bons sentimentos. Confesso que, hoje em dia, não acompanho mais. Dragon Ball Super não me ganhou, e as recentes historias, como Dragon Ball Daima também não me despertaram muita atenção. Apesar disso, meu carinho segue vivo. Dragon Ball tem seus momentos épicos e marcantes mas, recentemente, me peguei pensando em qual seria o meu favorito. A única resposta que me veio na cabeça foi o sacrifício de Vegeta. Quem lembra disso?

De vez em quando eu revejo esse momento na internet e, sabe, da última vez que o fiz, percebi como esse arco ressoa em mim de maneira bem pessoal. Assistir à descida de Vegeta à escuridão e sua eventual redenção ao longo dos anos me proporcionou uma sensação de empolgação, nostalgia, talvez até catarse. Não sei se alguma dessas coisas é realmente verdade. Na verdade, nem tenho certeza do que me levou a revisitar esse arco tantas vezes. Mas sei que a luta de Vegeta contra seu orgulho deixou uma marca permanente em mim, quer eu goste ou não.

Quando se trata de experiências com anime, todo o arco de Majin Boo não é exatamente uma história reconfortante. Primeiro que, em teoria, ele não precisaria existir. O final da saga Cell já seria por si só um final interessante para Dragon Ball – mas isso é so uma opinião pessoal. O que não é opinião é que durante a Saga Boo, Vegeta, o outrora orgulhoso Príncipe dos Saiyajins, sucumbe à magia de Babidi em uma tentativa desesperada de recuperar o guerreiro que ele foi um dia e ter uma luta digna com seu maior rival. O que ele entrega para a gente a partir daí é o mais absoluto estudo sobre poder, ressentimento e autoestima, com Akira Toriyama retratando magistralmente o conflito interno de Vegeta enquanto ele trava uma guerra contra sua própria natureza.

Se não me falha a memória, assisti a essa saga pela primeira vez no inicio dos anos 2000, durante alguma transmissao na TV. Fiquei impressionado com a transformação de Vegeta – não apenas o aumento de poder físico, mas o peso emocional por trás dela. Sua frieza, a maneira casual com que mata inocentes, a fúria em sua batalha contra Goku, tudo parecia cru, sem filtros e profundamente pessoal. Quando Vegeta se sacrificou, me lembro de ficar em silêncio, sem saber exatamente como me sentia. Mas, mesmo com essa inquietação, não pude evitar de entender Vegeta em algum nível.

“Está enganado, é verdade que tive que treinar mais que você, mas você era mais talentoso para isso, suas habilidades são muito fáceis de se detectar, não importa que tenha o mesmo treinamento que eu. A diferença que existe entre nossos poderes sempre será igual, percebi isso quando você estava lutando contra aquele monstro que o Babidi mandou. Ao ver aquilo, fiquei abalado, Kakaroto. Eu não podia acreditar que um guerreiro de classe inferior como você superasse os poderes de um príncipe frio e calculista como eu. Foi por isso que pedi essa luta em segredo.”

Eu sempre tive uma inclinação natural para gostar de Vegeta. Embora ele tenha inicialmente surgido como um vilão, depois que você assiste episódios suficientes de Dragon Ball, você acaba desenvolvendo uma admiração por esse personagem: feroz, determinado, sempre à sombra de Goku, mas se recusando a aceitar isso. Sempre houve algo inerentemente cativante em sua luta. À primeira vista, a Saga Boo parecia ser o teste final de sua determinação: ele se agarraria ao seu passado como um guerreiro implacável ou seu tempo na Terra o havia suavizado irreversivelmente?

Por outro lado, a decisão de Vegeta de permitir que Babidi o possuísse se encaixa no clássico arquétipo do guerreiro caído. Só que Vegeta não é um cara simples. Mesmo em seus momentos mais cruéis, suas ações não vêm da maldade, mas de um profundo sentimento de inadequação. Os anos vivendo em paz com sua família, vendo Goku superá-lo repetidamente, deixaram uma ferida aberta que ele não podia mais ignorar.

Seu monólogo antes da luta contra Goku ainda existe na minha mente. E se você conhece a saga e chegou até esse ponto do texto, eu chuto que ele ainda existe na sua mente também.

“Eu só…eu só queria voltar a ser o que era antes. Eu queria voltar a ser o Sayajin cruel e sem piedade a quem nada importava e queria ter uma luta perfeita. Eu me sentia repugnante. Pouco a pouco, sem perceber, fui fazendo parte de vocês e fui tendo uma vida comum e aborrecida.

Como foi possível que eu, um guerreiro frio, formasse uma família? Eu achei que não tinha nada demais. Meu coração foi ficando mais calmo, até a terra parecia um belo lugar para se viver. Por isso eu tive necessidade de pedir a Babidi que fizesse voltar a maldade que morava no meu coração. E graças a isso, agora eu me sinto muito bem.”

Por muito tempo, nunca questionei o raciocínio de Vegeta. Sua obsessão pela força, sua incapacidade de aceitar a paz, tudo fazia sentido para mim. Ele era um guerreiro, certo? Guerreiros foram feitos para lutar. Só que conforme os anos se passaram, conforme fui crescendo e revisitando esse arco, algo mudou. Passei a enxergar as falhas em sua lógica. Vegeta não estava lutando para recuperar sua honra: ele estava lutando porque estava realmente apavorado.

Lembra que eu disse que esse arco ressoa em mim de maneira bem pessoal? Nesse momento, eu me vi no conflito de Vegeta. Durante anos, me orgulhei da minha independência, da minha capacidade de lidar com tudo sozinho. Já usei muito minha solidão como um emblema de força, convencendo a mim mesmo de que precisar dos outros era uma fraqueza. No fundo sempre houve um medo persistente – e se eu estivesse errado? E se, assim como Vegeta, eu já tivesse mudado e fosse apenas teimoso demais para admitir?

Essa percepção transforma aquele sacrifício final em algo ainda mais impactante. O momento em que ele abraça sua família e reconhece o quanto eles significam para ele antes de enfrentar Majin Boo sozinho é um dos mais emocionantes da série – se não O MAIS EMOCIONANTE até hoje. E quando ele pronuncia suas últimas palavras antes de se autodestruir, fica claro que esse não é um ato de orgulho, mas de amor:

“Adeus, Trunks. Adeus, Bulma. E também…Kakaroto.”

Sério, nunca imaginei que veria Vegeta como algo além de um guerreiro obcecado em superar Goku. Mas a cada nova revisão desse arco, percebo que seu orgulho nunca foi realmente sobre poder, era sobre identidade. E, nesse momento, ele se redescobre, não como o Príncipe dos Saiyajins, mas como um pai, um marido e um homem que finalmente deixou seus demônios para trás.

Talvez seja por isso que continuo revisitando esse momento. Não só para ver mais uma vez a luta de Vegeta, mas para me lembrar de que mudar não é uma traição ao que fomos, mas sim uma prova de quem nos tornamos.

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