Cinema

Em Defesa de Rian Johnson e Os Últimos Jedi

Esta é a tentativa de um texto sobre o fracasso, escrito por alguém que está apenas começando a entendê-lo. É a tentativa de um texto sobre desapego, escrito por alguém que se agarra com unhas e dentes ao mito do controle. É a tentativa de um texto sobre por que, num tempo em que o mundo parece cada vez mais binário, vencedor ou perdedor, herói ou vilão, Jedi ou Sith, uma das poucas coisas das quais me sinto minimamente certo é que um filme de Star Wars que as pessoas adoram odiar segue até hoje sendo completamente mal interpretado. Talvez isso me torne especialmente qualificado para escrever sobre Os Últimos Jedi, de Rian Johnson. Ou talvez eu só queira acreditar nisso para justificar o fato de que ainda gosto desse filme, anos depois. Então, talvez, esse texto vá soar meio egoísta também. A verdade é que não sei exatamente o que quero dizer sobre esse filme. Só sei que quero dizer alguma coisa.

Aviso de spoilers (coisa que eu deveria fazer mais vezes): Não prossiga se você ainda não viu Os Últimos Jedi. Ou se viu, e odiou.

*

Lembro que vi esse filme bem na estreia. Se você é da nova geração, saiba que era assim que essas coisas aconteciam antes. Você ficava na fila para entrar na sala, o cinema fervendo de expectativa, o logo da Lucasfilm aparece e, por algumas horas, você finge que o mundo lá fora não existe. Quase uma comunhão, um banho de nostalgia coletiva. Deve ser assim ainda, sei lá, parei de ver blockbusters no cinema. Mas então o filme começou. E coisa de 15 minutos depois, percebi, ou melhor, todos perceberam, que Rian Johnson havia jogado um balde de água fria em muita gente.

Saí do cinema em conflito. Reflexivo. Não amei o filme (pelo menos não ainda). Mas também não conseguia parar de pensar nele. E isso queria dizer alguma coisa. Alguns dias depois, assisti de novo. E foi essa segunda vez, mais curiosa, eu diria, e levemente defensiva, que me transformou.

Os Últimos Jedi

Desde então, já assisti Os Últimos Jedi mais vezes do que gostaria de admitir. Não por obrigação, mas porque genuinamente acho o filme comovente de uma forma que poucos blockbusters se permitem ser. O frustrante é ver como o filme é frequentemente reduzido a uma lista de supostos pecados: “Ah, o Luke nunca agiria assim”, “Desperdiçaram o Snoke”, “Estragaram Star Wars!”, quando, na verdade, o maior ato de heresia de Johnson foi levar a mitologia a sério o suficiente para desafiá-la.

O que quero propor aqui nesse texto, então, é… e se esse for justamente o ponto?

Dizer que Os Últimos Jedi é sobre fracasso é quase óbvio demais, e ainda assim muito do ódio dirigido ao filme parece vir de uma recusa em lidar com essa ideia central. Rey falha ao buscar o velho mestre sábio que esperava. Poe falha ao entender o que é liderança. Finn falha ao tentar fugir. Luke falha em… basicamente tudo. A Rebelião se resume a um punhado de pessoas numa nave do tamanho de uma lancheira. E os Jedi? Não vão voltar.

E é aí que está a genialidade.

Johnson entende que a Força, essa abstração espiritual cintilante que, de algum modo, sobreviveu a décadas de inchaço de cânone e reboots corporativos, não significa nada se não evoluir. Se não acolher a dor. Se não abraçar a humildade. Os Últimos Jedi não é uma desconstrução de Star Wars tanto quanto é um recentramento. Não sobre destino, mas sobre escolha. Não é sobre linhagem, mas sobre crença. Não é sobre lendas, mas sobre as pessoas frágeis e falíveis por trás delas. Isso não é bonito?

Muita gente odiou o Luke nesse filme. Eu entendo. Queriam o Cavaleiro Jedi triunfante, aquele que entrou no palácio do Jabba sem medo. Receberam, na verdade, um eremita barbudo bebendo leite verde e resmungando que nada daquilo importava. Risos aqui. Mas, novamente, eu entendo. Não é o Luke que deixamos em O Retorno de Jedi.

Só que talvez… seja, sim.

Quando o reencontramos em Os Últimos Jedi, Luke cometeu o mesmo erro de todo herói mítico: achou que sua história terminava com um final feliz. Achou que tinha vencido. Em vez disso, virou uma lenda e, ao fazer isso, deixou de ser uma pessoa. Viu escuridão em seu sobrinho e, por um breve instante, pensou em matá-lo. Esse fracasso – o impulso, não o ato – o despedaçou. Então ele foi embora. Não porque fosse fraco, mas porque estava envergonhado.

Isso não o torna menos heróico, o torna mais humano.

A verdadeira reviravolta não é o exílio de Luke. É o que ele escolhe fazer com ele. Quando retorna, não fisicamente, mas em espírito, não é para brandir um sabre de luz, mas para dar uma última lição. Seu ato final é uma ilusão, uma projeção, um teatro. Ele confronta Kylo Ren não com força, mas com a paz. Não é uma luta. É uma distração. E funciona.

Ele compra tempo para a Resistência. E então morre.

Os Últimos Jedi
Os Últimos Jedi

Se isso não é a coisa mais Jedi que já vi, não sei o que seria.

Tem essa fala do Yoda — sua melhor cena desde 1980, aliás — em que ele diz ao Luke: “O maior professor, o fracasso é”. Parece algo escrito menos para os personagens e mais para o público. Para todos nós que estávamos tão ocupados e agarrados ao que Star Wars era que esquecemos de imaginar o que Star Wars poderia ser.

Esse filme não odeia Star Wars. Ele ama tanto que quer fazê-lo crescer.

Mesmo se pegarmos Canto Bight, o subplot tão criticado em que Finn e Rose vão numa missão paralela aparentemente inútil, até aquilo ali tem sua própria genialidade silenciosa. E ela está nos sistemas, nas pessoas deixadas para trás no meio da novela épica dos Skywalker. Os lucros da guerra. Os meninos dos estábulos. Aqueles que veem Jedi e Sith como duas faces da mesma moeda. É uma sugestão sutil de que talvez a Força pertença a mais do que só aos escolhidos. De que talvez você não precise nascer com um destino grandioso para fazer algo bom.

E aí chegamos à Rey.

Após o Episódio VII, especulou-se bastante sobre quem eram seus pais. Kenobi? Skywalker? Palpatine? Como se só isso desse a ela algum valor. Mas Os Últimos Jedi tem a ousadia de dar a resposta mais desafiadora possível: ninguém. Os pais dela eram ninguém. Gente comum. Irrelevante. O filme propõe algo verdadeiramente radical para a saga: que você não precisa vir de uma linhagem lendária para ser importante. Que você pode ser poderosa, valente e cheia de luz sem precisar carregar um sobrenome famoso.

Essa revelação, tão simples e tão poderosa, vira o mito de cabeça pra baixo. Por décadas, Star Wars sugeriu, ainda que nas entrelinhas, que heróis nascem especiais. Que sangue importa. Que destino é uma questão de herança. Rian Johnson olha direto para esse legado e diz: E se não for? E se a Força puder surgir em qualquer um que tenha coragem de escutar? E se ser “ninguém” for justamente o que torna Rey livre para escolher o que vai ser?

É por isso que a escolha dela importa tanto. Porque ela escolhe o bem não por obrigação, não por legado, mas por convicção.

Esse momento, quando ela encara a verdade sobre seu passado vazio, e mesmo assim decide seguir em frente, lutar, acreditar, é o verdadeiro coração do filme. É ali que Star Wars cresce. Não pra trás, em direção às lendas, mas pra frente, em direção ao possível.

Os Últimos Jedi

*

Bom, eu não quero fechar esse meu papo furado aqui sem falar do menino da vassoura. Lembra dele?

Aquela cena final (a que, se piscar, você perde) complementa muito bem o que falei sobre a Rey. Um garoto sem nome, criado na opressão, olhando para as estrelas com um brilho de possibilidade nos olhos. É fácil descartar isso como simbolismo vazio, mas acho que esse momentinho é uma das coisas mais lindas que a Disney já permitiu num filme de Star Wars. Uma galáxia onde qualquer um pode ser herói.

A ironia é que Os Últimos Jedi é acusado de trair o espírito de Star Wars, quando na verdade é uma das poucas obras da franquia que realmente o compreende. Johnson não destrói o passado. Ele o interroga. Tira a mitologia do pedestal e a coloca sob a luz, não para quebrá-la, mas para ver onde ainda brilha.

Agora, o filme é bagunçado? Com certeza. É imperfeito? Sem dúvida. Mas está vivo. E significa algo.

*

Não sei se Os Últimos Jedi é meu filme favorito de Star Wars. Isso muda conforme o dia e a quantidade de sono que tive. Mas sei que é o que mais me ensinou. Sobre perda, expectativa, sobre a coragem de tentar algo novo quando todo mundo só quer mais do mesmo.

Acho que deveria tornar isso pessoal de novo, só pra justificar essa tese excessivamente sentimental que você provavelmente já esqueceu umas 3.000 palavras atrás.

Quando Os Últimos Jedi estreou, eu estava tentando entender muita coisa da minha vida, já tinha enfrentado alguns fracassos que não vi chegando. Os detalhes não importam, mas a vergonha era real. Eu me sentia como o Luke, menos mito, mais erro. Queria ficar sozinho também. Luke é aquele homem que achava que seu momento já tinha passado, tentando entender como viver com o que veio depois.

Vê-lo voltar, não como salvador, mas como alguém disposto a tentar de novo, me desmontou de um jeito que eu não esperava. Sabe, talvez você não precise ser um herói. Talvez seja suficiente apenas aparecer, acreditar em algo, mesmo sem ter certeza de que é digno disso.

E talvez o futuro de Star Wars não pertença mais a nós, que crescemos com isso. Talvez pertença às crianças segurando vassouras e sonhando com as estrelas.

*

Não costumo dizer isso sobre filmes de grandes estúdios, mas Rian Johnson fez Os Últimos Jedi para ele mesmo. E, de algum jeito, fez para mim também.

Continuo pensando no Luke naquela rocha, olhando para os sóis gêmeos, sorrindo. Sua jornada termina onde começou, mas ele está finalmente em paz com isso. Ele não é mais o fazendeiro, nem a lenda. Ele é só… Luke.

E, se há esperança pra ele, há esperança pra todos nós.

*

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