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Nota do Editor #7: O que o humor de Jojo Rabbit pode ensinar sobre o caso Léo Lins?

Costumo imaginar o humor como uma faca de dois gumes: corta o véu da hipocrisia, mas também pode ferir quem está do outro lado da piada. Em 2019 fomos presenteados com Jojo Rabbit (e que saudades do cinema de 2019!), dirigido por Taika Waititi, e esse filme me veio na cabeça essa semana com a recente condenação do humorista brasileiro Léo Lins por suas piadas em seu show. Ok, talvez a primeira vista o filme e esse assunto possam parecer dois pontos distantes, mas quero falar um pouco sobre ambos pois acho que eles convergem num debate urgente: onde termina a liberdade de expressão e onde começa o dano social? Confesso que esse é um papo que eu preferiria ter em um bar num bom bate papo do que em um texto aqui mas, com a lente da sátira de Waititi e a realidade do caso Lins, vejo que dá para ilustrar o que o humor pode – e deve – ensinar. Afinal de contas, foi para re-olhar que eu criei esse site.

Léo Lins
Léo Lins


Vamos pelo início então: Jojo Rabbit é uma comédia bem ousada que nos apresenta Johannes “Jojo” Betzler, um menino de dez anos na Alemanha nazista, cujo amigo imaginário é ninguém menos que Adolf Hitler. O filme usa o humor para desmascarar o absurdo do fanatismo, nos mostrando o nazismo pelos olhos de uma criança que, aos poucos, vai percebendo a humanidade de quem o regime desumaniza. Waititi, ele mesmo de ascendência judaica, faz piadas com o Holocausto, com a propaganda nazista e até com a figura de Hitler, mas o faz com um propósito claro: ridicularizar a intolerância. A sátira aqui é uma arma para expor o ridículo dos preconceitos, mas também nos traz uma reflexão sobre como ideias tóxicas se enraízam.

 Jojo Rabbit (2019)
Jojo Rabbit (2019)


No Brasil de 2025, Léo Lins acaba de ser condenado a mais de oito anos de prisão por piadas consideradas discriminatórias contra negros, indígenas, pessoas com deficiência, entre outros, no seu show de stand-up. A Justiça brasileira, amparada por leis como a de 1989 contra crimes de preconceito e a recente Lei do “racismo recreativo” (14.532/2023), viu nas falas de Leo Lins não apenas humor (se é que exista qualquer humor ali), mas incitação ao ódio. O caso reacendeu o embate entre liberdade de expressão e responsabilidade social, com defensores do comediante alegando censura e críticos apontando o reforço de estereótipos danosos.

Leo Lins condenado


“Tá, mas onde Jojo Rabbit entra nisso?” Bom, primeiro que o humor, quando bem intencionado, pode ser uma ferramenta de desconstrução. Veja, em Jojo Rabbit, Waititi usa piadas para mostrar o absurdo do ódio, mas nunca ridiculariza as vítimas: o alvo é o opressor, o sistema, a ideologia. Léo Lins, por outro lado, foi acusado de mirar em grupos já marginalizados, como nordestinos e até pessoas com HIV, sem o cuidado de contextualizar sua crítica ou apontar para um propósito maior. Suas “piadas”, segundo a sentença, não desafiam o status quo, mas sim o reforçam, perpetuando estigmas em nome de um “humor sem limites” ou da tão comentada “Liberdade de Expressão”.


Segundo que Jojo Rabbit nos lembra que o humor exige responsabilidade. Aliás, TUDO o que envolve a dor de outra pessoa exige responsabilidade. Waititi equilibra a sátira com momentos de humanidade, como a relação de Jojo com Elsa, a menina judia escondida em sua casa, para garantir que o público não perca de vista o peso do tema. Já Léo Lins, ao fazer piadas como “na época da escravidão, negros já nasciam empregados”, não oferece essa camada de reflexão. O palco do stand-up, hoje muito amplificado pelo YouTube, não é um espaço neutro ou atrelado à quem “pagou o ingresso para estar lá”: hoje ele ecoa, influencia, fere. A Justiça entendeu que o humorista cruzou a linha entre provocar e humilhar, algo que Waititi evita ao manter o foco na crítica ao poder.

Jojo e Elsa em Jojo Rabbit


Por fim, Jojo Rabbit também mostra como o humor pode unir, mas também dividir. O filme foi aclamado por muitos, mas criticado por outros, que o acusaram de trivializar o Holocausto. Ainda assim, Waititi conseguiu justificar sua abordagem: o humor era um meio de tornar a história acessível, não de diminuir o sofrimento. No caso de Lins, a defesa do animus jocandi (a intenção de fazer rir) não foi suficiente para a Justiça, que viu nas piadas um impacto real de discriminação. A diferença está no “como” e no “porquê” do humor: enquanto Waititi usa a comédia para humanizar e desconstruir, as falas de Lins foram interpretadas como um reforço de narrativas opressivas.


Ainda há espaço para recorrer e, sinceramente, acredito que Léo Lins não pagará nem metade do que foi incialmente condenado. E meu ponto aqui não é nem para dizer se é justo ou não sua sentença. Casos assim me fazem refletir sobre o lugar e papel da arte, e olhar para Jojo Rabbit e o caso Léo Lins me faz repensar o papel do humor também – que também é arte. Ele pode ser esse espelho que revela verdades incômodas, mas também uma arma que fere se mal manejada. A liberdade de expressão é sim um pilar da democracia, mas não pode ser um cheque em branco. O humor é uma forma de falar sobre coisas sérias sem sermões. Léo Lins, talvez, tenha esquecido que o riso, para ser transformador, precisa de empatia. E essa é a lição que Jojo Rabbit deixa: rir do absurdo do ódio é libertador, rir de quem já sofre, nem tanto.

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