
Aquilo que Hunter x Hunter nos ensina sobre força
Puxando na memória aqui, eu nunca fui alguém obcecado em ser forte mas, quando criança, eu era bastante curioso pela ideia de força. Não apenas a capacidade de levantar coisas pesadas ou vencer uma luta, mas algo mais profundo, uma força invisível, inabalável, capaz de mudar o mundo ao seu redor. A força era mais do que poder, era um tipo de verdade, algo que não podia ser negado. Eu a imaginava como uma aura, uma corrente invisível que emanava das pessoas mais fortes, definindo-as, separando-as das demais. Eu sempre quis encontrar essa corrente, vê-la, entendê-la. Queria saber como alguém podia ficar diante de uma força avassaladora e mesmo assim se recusar a se mover. Quer dizer, o tornava uma pessoa inquebrável? Qual era a essência da força?

Eu sabia, é claro, que a verdadeira força não era algo que se podia simplesmente ver ou medir. Não se tratava de músculos ou confiança, nem de torque em mecânica – não de verdade. Era algo que existia além da superfície, algo que nascia da essência da vontade de uma pessoa. Mas, mesmo assim, eu a procurava. Buscava nos adultos ao meu redor, na maneira como se portavam, na forma como falavam. Buscava nos heróis das histórias que eu gostava, dos desenhos e filmes que assistia, aqueles que avançavam com uma determinação inabalável. Com o tempo, aprendi a construir minha própria definição de força, a ajustar a lente através da qual a enxergava. Descobri, por exemplo, que ela assumia formas infinitas, às vezes alta e inegável, às vezes silenciosa, quase invisível. Eu pensava nisso antes de dormir. Uma vez me disseram que quando você dorme é quando a sua mente se liberta para vagar pelo desconhecido. Interessante, näao acha? Às vezes, nesses pensamentos antes de adormecer, eu me perguntava: e se a verdadeira força não fosse sobre vencer, mas sobre nunca desistir? E se fosse sobre caminhar por um caminho sem fim, sabendo que talvez nunca se chegaria ao destino?
Foi por isso que, quando assisti Hunter x Hunter pela primeira vez, senti como se alguém tivesse roubado meus pensamentos e colocado essas mesmas perguntas na tela.

Sem rodeios: Hunter x Hunter é uma história de aventura. Acompanhamos um garoto chamado Gon Freecss, uma criança de olhos brilhantes e energia inesgotável, que parte em busca de seu pai, um lendário Hunter que o abandonou há muito tempo. Em uma história mais simples, essa premissa poderia ser simples. Um conto básico da jornada do herói, sobre crescimento e descoberta, onde o herói enfrenta uma série de desafios, os supera e sai vitorioso. Só que Hunter x Hunter não é tão simples assim. A historia pega a base familiar e a torce, a complica, a desconstrói. É um anime que não pergunta apenas o que significa ser forte, mas o que alguém precisa sacrificar para se tornar forte.
Desde o início, o mundo de Hunter x Hunter é duro, indiferente. Aqui, a força não é apenas uma ferramenta, é uma necessidade, literalmente uma barreira entre a vida e a morte. O Exame Hunter, o primeiro grande desafio que Gon enfrenta, não é apenas um teste de habilidade, mas um verdadeiro campo de batalha cruel, que descarta os fracos sem hesitação. É aqui que vemos os primeiros indícios da filosofia da série: a ideia de que a sobrevivência não é garantida, de que a vitória nunca é entregue a ninguém. Mas é mais tarde, muito mais tarde, que a história realmente mostra seus dentes.

Existe um momento marcante, no arco Chimera Ants, em que a história toma um rumo quase bíblico. Gon, o garoto que antes era basicamente otimismo e luz, enfrenta uma perda tão devastadora que o transforma além do reconhecimento. Sua força, antes algo brilhante e esperançoso, se torna algo completamente diferente, algo aterrorizante. E então ele se transforma.
A transformação é tanto literal quanto simbólica, seu corpo se retorcendo em um reflexo grotesco de sua dor e raiva. E, ainda assim, esse momento não é triunfante. Não há vitória aqui, apenas um vazio terrível e avassalador. Gon não vence. Ele simplesmente destrói.

É nesse ponto que Hunter x Hunter entrega uma verdade dolorosa: a de que a força, quando descontrolada, não torna ninguém completo. Que perseguir o poder sem compreender seu custo é arriscar perder a si mesmo completamente. E, ainda assim, mesmo nessa escuridão, a série não abandona sua questão central. Ela não diz: “A força não significa nada”. Em vez disso, ela pergunta: “Se o poder, por si só, não é suficiente, então o que é?”

O mundo de Hunter x Hunter é vasto, imprevisível. Ele se transforma e se distorce a cada novo arco, nunca permitindo que seus personagens encontrem pleno conforto. O que começa como uma simples aventura logo se transforma em uma discussão sobre poder, moralidade e o que vou chamar de absurdismo da vontade humana. Eu gosto de narrativas assim, onde mesmo diante de probabilidades esmagadoras, de inimigos tão incompreensivelmente fortes que parecem até deuses, os personagens continuam avançando. Não porque sabem que vão vencer, mas porque se recusam a parar.
Percebe como existe algo profundamente existencial nisso? Hunter x Hunter não trás respostas fáceis, nem acredita em verdades absolutas. Seus personagens estão constantemente redefinindo suas próprias crenças, questionando seus próprios caminhos. Killua, o amigo mais próximo de Gon, passa boa parte da série lutando contra a ideia de que está fadado a ser um covarde, acorrentado pelos abusos de seu passado. E, no entanto, vez após vez, ele escolhe seguir em frente. Escolhe ficar ao lado de Gon, mesmo quando isso o aterroriza. Mesmo quando sabe que Gon está se afundando em algo perigoso, algo de onde talvez não consiga retornar.

E então temos Meruem, o Rei das Chimera Ants, uma criatura nascida no mundo com poder absoluto, um ser tão imensuravelmente forte que a própria humanidade parece insignificante diante dele. E, no entanto, é ele quem passa pela transformação mais profunda da série, não através da batalha, não através da vitória, mas pela presença silenciosa e inabalável de Komugi, uma garota cega que lhe ensina o valor de algo além da força.

É justamente nessa “contradição”, na ideia de que a força é ao mesmo tempo tudo e nada, que está o coração de Hunter x Hunter – ao menos para esse que vos escreve. A série não rejeita o poder, nem o glorifica. Ela simplesmente o apresenta como ele é: uma força, nem boa nem má, moldada apenas pelas mãos que o empunha.
Hoje em dia, já não vejo a força como algo absoluto. Não a imagino mais como uma aura, uma corrente que algumas pessoas possuem enquanto outras não. Vi tipos demais de força para acreditar em uma única definição. Vi força na gentileza, na resiliência, na capacidade de deixar ir. Vi força naqueles que continuam caminhando, não porque sabem que terão sucesso, mas porque parar não é uma opção. Particularmente, me vejo nesse último grupo.
Apesar disso, fico feliz de ver que ainda penso nas perguntas que Hunter x Hunter me fez fazer. O que significa ser forte? Qual é o custo do poder? A força é algo que buscamos ou algo que sempre carregamos dentro de nós?
Não sei se algum dia terei as respostas. Mas talvez esse seja o ponto. Talvez a força não esteja em encontrar a resposta, mas em continuar fazendo a pergunta.

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