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O fim, o mundo e o fim do mundo (feat. Charles Bukowski)

Pois é, de vez em quando a gente tem essas reflexões meio malucas sobre qualquer coisa ou sobre como tudo vai terminar. Pode até parecer papo de bêbado, e talvez seja mesmo, mas a verdade é que estamos em tempos complicados e desleais em vários níveis, então, ao menos para mim, é inevitável não pensar sobre onde tudo isso vai parar. Estamos avançando tecnologicamente na mesma velocidade em que retrocedemos humanitariamente, numa realidade em que os valores que mais importam são os econômicos. Este é o mundo atual. Mas nada dura para sempre e essa é a real beleza das coisas. O “fim” está lá para nos fazer repensar o agora, e o mundo não é excessão a ele. Esta é a minha reflexão sobre o fim, o mundo e o fim do mundo. E aqui quero explorar não apenas as complexidades da existência humana, mas também a responsabilidade que temos em moldar o curso do destino que todos compartilhamos.

Este é um texto que eu sempre quis tirar da cabeça, então, vamos ver no que dá.

O fim

Existem poucos conceitos tão intrigantes e graves quanto o “fim”. Essa ideia de finalidade, seja o final de uma jornada, de uma era, o fim de um relacionamento ou até mesmo um fim apocalíptico da vida e do mundo como conhecemos, sempre cativou nossa imaginação. É uma noção que transcende o tempo e a cultura e faz a gente refletir sobre os mistérios da nossa própria existência. E, bom, quando olhamos para trás, vemos que essa idealização de como tudo vai acabar esteve sempre ali, desde o começo. A própria bíblia referencia isso, por exemplo.

O dia do Senhor, porém, virá como ladrão. Os céus desaparecerão com um grande estrondo, os elementos serão desfeitos pelo calor, e a terra, e tudo o que nela há, será desnudada

2 Pedro 3:10

“Death on the Pale Horse,” pintado pelo artista americano Benjamin West em 1796.

Independente da interpretação, seja religiosa ou artística, este conceito profundo desafiou filósofos, pensadores e artistas ao longo da história, incentivando essa galera a mergulhar em suas complexidades e desvendar suas implicações para o mundo que habitamos hoje. Nada demais até então.

Mas essa ideia de “fim” não se limita a cenários apocalípticos. Ela se estende ao término de fases, experiências e eras, como foi o Egito antigo, por exemplo. Muitos filósofos e astrônomos refletem sobre a natureza do tempo, perguntando se ele segue uma trajetória linear ou se é um loop, que se renova eternamente. Mas o fato é que, com a ascensão e queda de civilizações, o embate ideológico interminável que sempre tivemos e a conclusão de jornadas pessoais, o conceito de um “fim” fica inevitavelmente entrelaçado com a existência humana.

Charles Bukowski

Na sociedade moderna, embora os avanços tecnológicos tenham nos conectado de maneiras sem precedentes, ainda existe uma sensação de isolamento predominante devido à dependência de telas, mídias sociais e a perda das interações face à face. A sociedade de hoje ainda lida com questões de desigualdade de riqueza, disparidades raciais e de gênero e injustiças sociais que afetam a vida de muitos e isso com certeza vai influenciar o fim de nossa história. É o que Charles Bukowski escreve em seu poema Dinossauria, We. Neste poema, ele nos convida a examinar criticamente as estruturas que moldam nossas vidas e, consequentemente, faz um desenho de onde tudo isso vai dar.

“Nós somos nascidos adentro um governo há 60 anos em dívida
Que logo será incapaz de pagar até mesmo os juros dessa dívida
E os bancos irão queimar
O dinheiro será inútil
Haverá assassinato livre e impune nas ruas
Serão armas e quadrilhas nômades
Terra será inútil
A comida será um rendimento decrescente
Força nuclear será tomada pela multidão
Explosões irão continuamente sacudir a Terra
Homens-robôs radioativos irão espreitar uns aos outros
Os ricos e os escolhidos irão assistir de plataformas espaciais.”

Bukowski se baseia muito no contexto do mundo atual e em como nós já nascemos inseridos nele – Born into this. Dessa forma, a perspectiva de um fim levanta questões profundas sobre nossos valores, aspirações e responsabilidades. Como nossa compreensão de um eventual fim molda nossas ações e decisões? Isso encoraja um senso de urgência para abordar questões imediatas ou gera consciência diante de mudanças inevitáveis? Essas reflexões se conectam com o nosso mundo atual.

Greta Thunberg: A garota que tenta mudar o mundo

O Mundo

Analisar “o mundo” não é fácil e longe de mim querer cagar qualquer regra, mas refletir sobre a nossa sociedade nos obriga a pensar também sobre essa teia de culturas e indivíduos que definem nossa realidade atual. O mundo que habitamos é um mosaico de diversas perspectivas, sistemas econômicos e estruturas sociais. Então, “filosofar” sobre a natureza desse nosso mundo exigiria talvez um olhar muito mais profundo das normas sociais, dinâmicas de poder e ideologias predominantes que influenciam a nossa existência coletiva. E existem muitos outros livros e artigos de pessoas melhores e mais capacitadas do que eu para discutir sobre isso, mas tenho meus dois centavos para doar à pauta.

O mundo de hoje, como já disse, é marcado por interconectividade e disparidades. O capitalismo facilitou a troca de ideias e recursos, mas também expôs as falhas da desigualdade e da degradação ambiental. O avanço da tecnologia permitiu uma comunicação sem precedentes, mas também levantou questões éticas sobre privacidade, inteligência artificial e a diminuição da interação humana genuína. E fica aquela sensação de que tudo sempre foi assim. Voltando ao poema de Bukowski, ele é bem cru quando define nosso modelo de sociedade atual e explica como vivemos em um sistema que força a comodidade e escancara nosso fracasso humanitário.

“Nascido em meio à isso
Em hospitais que são tão caros que é mais barato morrer
Em advogados que são tão caros que é mais barato alegar culpa
Em um país onde as cadeias estão cheias e os sanatórios vazios
Em um lugar onde as massas transformam tolos em ricos heróis”

“Em um lugar onde as massas transformam tolos em ricos heróis”

Vivemos em um mundo que até hoje lida com questões de desigualdade de riqueza, disparidades raciais e de gênero e injustiças sociais que afetam a vida de muitos. Tudo isso enquanto nosso modelo político parece rir da nossa cara.

[…]Enquanto os cenários políticos se dissolvem
Enquanto o empacotador do supermercado têm um diploma universitário.

Quando a gente para e compara as estruturas sociais modernas com o que Bukowski diz em “Dinossauria, We”, vemos que, mesmo que alguns aspectos da sociedade tenham evoluído, certos temas sociais permanecem relevantes. Na sociedade moderna, as pessoas frequentemente recorrem a várias formas de distração e gratificação instantânea para lidar com os desafios da vida, levando a um ciclo de entorpecer a dor ao invés de abordar os problemas que a provocam. E nossa válvula de escape às vezes é também nossa ruína.

“[…]Os dedos se estenderam para a garganta
A arma
A faca
A bomba
Os dedos se estenderam para um deus irresponsável
Os dedos se estenderam para a garrafa
A pílula
O pó”

Joaquin Phoenix, em Joker – Talvez nosso modelo social atual seja a maior fonte de elouquecimento humano.

À medida que nos aprofundamos nessas questões sobre o mundo em que vivemos, enfrentamos questões urgentes: como as pessoas encontram significado e propósito num mundo que é tão indiferente e hostil? Que alternativas ou mudanças poderiam levar a uma experiência humana mais gratificante e autêntica? Acho que somente por meio do pensamento crítico podemos realmente lidar com o impacto das nossas escolhas em uma escala maior e refletir sobre a essência de um mundo melhor. E eu admito que Charles Bukowski tinha vários problemas como pessoa, mas ele era muito bom em pensar criticamente – sóbrio ou não.

O fim do mundo

Enfim, tudo se converge! O conceito de fim e as complexidades do nosso mundo moderno não podem resultar em outra coisa que não seja: o fim do mundo. E eu sei que essa frase traz consigo imagens catastróficas e apocalípticas, mas acho que já consegui demonstrar que não é sobre isso que quero escrever. O meu fim do mundo está mais ligado a paradigmas sociais, desafios ambientais e dilemas existenciais que a gente, como humanidade, enfrenta hoje.

A fome é resultado de nosso sistema desigual e egoísta. Esse é o verdadeiro fim do mundo.

E considerando tanto o “fim” quanto o “mundo”, é inevitável não pensar em como nossas estruturas sociais perpetuam esses ciclos de exploração e injustiça. Assim como nosso tratamento com o meio ambiente, que reflete a nossa compreensão da natureza dos recursos: que é finita, vai acabar. A interação entre essas duas coisas, na minha humilde opinião, dão o tom das consequências dessa nossa trajetória atual. Bukowski pega ainda mais pesado:

“[…]O Inferno de Dante parecerá um playground infantil
O sol não será visto e será sempre noite
As árvores morrerão
Toda vegetação morrerá
Homens radioativos comerão a carne de homens radioativos
O mar será envenenado
Os lagos e rios desaparecerão
Chuva será o novo ouro
Os corpos em apodrecimento dos homens e animais irão feder no vento negro
Os poucos sobreviventes serão tomados por novas e temíveis doenças
Todas as plataformas espaciais serão destruídas pelo desgaste
O desaparecimento dos suprimentos
Os efeitos naturais do decaimento geral”

Essa visão de fim do mundo na real faz um apelo para que a humanidade transcenda a inércia da rotina e enfrente a necessidade urgente de mudança. Pensar sobre o fim do mundo é entender que os caminhos que escolhemos hoje determinarão o legado que deixaremos para as gerações futuras. Pensar sobre o fim do mundo é redefinir nosso relacionamento com o planeta, uns com os outros e com o profundo conceito de finalidade em si. Assim como na lenda do anel real: tudo passa.

E as últimas linhas do poema de Bukowski servem também para nos colocar no nosso devido lugar frente a natureza e o universo em si. Servem para nos lembrar que nossas atitudes, no fim, só prejudicam a nós mesmos. O ciclo e o fim do universo estão muito além da nossa existência e muito além da nossa compreensão. O sol, que sempre esteve ali, imponente e dominador, determinará quando a terra finalmente terá seu fim.

“E existirá o mais belo silêncio jamais ouvido
Nascido fora daquilo
O sol ainda se esconde
Esperando pelo próximo capítulo”

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“Dinossauria, we” – Charles Bukowski

Nascemos assim
Nisso
Enquanto os rostos giz sorriem
Enquanto a Sra. Morte ri
Enquanto os elevadores quebram
Enquanto paisagens políticas se dissolvem
Enquanto o empacotador do supermercado tem um diploma universitário
Enquanto os peixes oleosos cospem suas presas oleosas
Enquanto o sol está encoberto
Nós somos
Nascidos assim
Nisso
Nessas guerras cuidadosamente loucas
Na visão de janelas de fábricas quebradas do vazio
Em bares onde as pessoas não falam mais umas com as outras
Em brigas que terminam em tiroteios e facadas
Nascidos nisso
Em hospitais tão caros que é mais barato morrer
Em advogados que cobram tanto que é mais barato se declarar culpado
Em um país onde as cadeias estão cheias e os manicômios fechados
Em um lugar onde as massas elevam tolos a heróis ricos
Nascidos nisso
Andando e vivendo através disso
Morrendo por causa disso
Silenciados por causa disso
Castrados
Devassados
Deserdados
Por causa disso
Enganados por isso
Usados por isso
Mijados por isso
Enlouquecidos e doentes por isso
Tornados violentos
Tornados desumanos
Por isso
O coração fica enegrecido
Os dedos alcançam a garganta
A arma
A faca
A bomba
Os dedos alcançam um deus não responsivo
Os dedos alcançam pela garrafa
O comprimido
O pó
Nascemos nessa fatalidade mortal
Nascemos em um governo 60 anos endividado
Que em breve não será capaz nem de pagar os juros dessa dívida
E os bancos vão queimar
O dinheiro será inútil
Haverá assassinatos abertos e impunes nas ruas
Serão armas e multidões errantes
A terra será inútil
A comida se tornará um retorno diminuto
A energia nuclear será tomada pelas massas
Explosões vão sacudir continuamente a terra
Homens robôs irradiados se caçarão uns aos outros
Os ricos e os escolhidos assistirão de plataformas espaciais
O Inferno de Dante parecerá um parque infantil
O sol não será visto e sempre será noite
As árvores morrerão
Toda vegetação morrerá
Homens irradiados comerão a carne de homens irradiados
O mar será envenenado
Os lagos e rios desaparecerão
A chuva será o novo ouro
Os corpos apodrecidos de homens e animais vão feder no vento escuro
Os poucos sobreviventes serão acometidos por doenças novas e horrendas
E as plataformas espaciais serão destruídas pela erosão
O esgotamento de suprimentos
O efeito natural da decadência geral
E haverá o mais belo silêncio jamais ouvido
Nascido fora disso
O sol ainda se esconde
Aguardando o próximo capítulo.

2 comentários sobre “O fim, o mundo e o fim do mundo (feat. Charles Bukowski)

  • Perfeito!
    Muito agradável seguir a sua linha de raciocínio e referências, todas fazem muito sentido como sempre.
    E obrigada por apresentar o poema do Bukowski, esse eu não tinha lido ainda.
    abç!

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    • Obrigado!!

      Eu amo esse poema, ele sintetiza muita coisa do jeito do Bukowski enxergar o mundo, o que foi o que mais me aproximou dos poemas dele, para falar a verdade.

      Resposta

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