Um rascunho sobre Bauman, Bruce Lee e a nossa liquidez
“Esvazie sua mente, seja sem forma, como a água. Se você coloca água em uma xícara, ela se torna a xícara. Se coloca água em uma garrafa, ela se torna a garrafa. Se a coloca em um bule, ela se torna o bule. A água pode fluir ou pode romper. Seja água, meu amigo.” – Bruce Lee
Puts, eu adoro essa frase. Talvez porque ela traga uma ideia filosófica muito profunda sobre adaptação e resiliência. Eu gosto desse tipo de coisa. No mundo atual, onde praticamente tudo muda rapidamente, pensar dessa forma ajuda bastante. Mas sabe, hoje eu estava pensando em como essa metáfora pode ser estendida a um pensamento sociológico moderno também muito interessante: o de Zygmunt Bauman e seu conceito de relações líquidas. Esse cara oferece uma análise crítica das relações humanas na modernidade muito importante de se observar.
No livro Liquid Love: On the Frailty of Human Bonds, Bauman explora como o amor, assim como outros fenômenos sociais, se tornou cada vez mais fluido na era pós-moderna. As relações, com o passar do tempo, estão ficando cada vez mais superficiais e o contato entre as pessoas cada vez menor. Fluido – como água.
A água, nesse texto que você está lendo, serve portanto como uma ponte entre a filosofia de transformação individual de Bruce Lee e a análise da transformação social de Bauman. Eu adoraria tomar uma cerveja com esses dois.
Quando Bruce Lee fala sobre ser “sem forma, como a água”, ele também fala da necessidade de se adaptar às circunstâncias da vida, só que de uma maneira mais filosófica. A água, em seu estado natural, não resiste ao recipiente em que é colocada. Em vez disso, ela flui, assume a forma necessária. Ela se adapta. Será que esse pensamento pode ser aplicado aos relacionamentos humanos também? Na forma como amamos? Ou como lidamos com mudanças e conflitos? 🤔
Em vez de simplesmente nos apegarmos a expectativas ou formas já prontas, Bruce Lee nos sugere a adaptação e o ajuste às realidades das nossas situações. A flexibilidade da água simboliza como nós, como indivíduos, podemos aprender a lidar com os desafios e dinâmicas da vida de forma mais harmoniosa. “Be water, my friend.”
No Amor Líquido, Bauman explica que o amor não se encontra em algo pronto, concluído, finalizado, mas sim na construção das relações – na jornada, e não no destino.
“Em outras palavras, não é no desejo por coisas prontas, completas e acabadas que o amor encontra seu significado ― mas no desejo de participar do tornar-se de tais coisas. O amor é semelhante à transcendência; é apenas outro nome para o impulso criativo e, como tal, é repleto de riscos, pois toda a criação nunca tem certeza de onde vai terminar.” – Zygmunt Bauman, Liquid Love: On the Frailty of Human Bonds
É só olhar ao redor para perceber como as pessoas estão ansiosas e frustradas por esperarem que os outros sejam perfeitos e impecáveis em um relacionamento. Cada vez mais, as pessoas querem se relacionar com aquilo que projetaram, não com a realidade. Querem o amor, mas sem o desafio de amar.
Bauman explora justamente essa abordagem da era moderna nos relacionamentos, onde os laços se tornaram cada vez mais flexíveis, assim como a água. Estamos afogados em rápidas mudanças na tecnologia, nos algoritmos, na globalização e em um foco casa vez maior na liberdade individual, o que, segundo Bauman, destruiu a solidez do amor. Faz sentido, não acha?
As conexões humanas de fato se tornaram mais transitórias, moldadas por uma mentalidade consumista que prioriza a gratificação pessoal no lugar de um investimento real, sincero e de longo prazo. A busca por amor e intimidade nesse ambiente não é sobre encontrar laços profundos e duradouros, mas sim uma satisfação emocional temporária.
Tinder, redes sociais e essa cultura de satisfação rápida e instantânea são exemplos de como os relacionamentos se tornaram mais descartáveis. De como não os cultivamos mais com a expectativa de permanência. No lugar disso, buscamos conexões que podem ser facilmente abandonadas quando não atendem mais às nossas necessidades. Ou então buscamos conexões reais nos lugares mais artificiais possíveis. Dê o nome que quiser à isso.
Fato é que tanto Bruce Lee quanto Zygmunt Bauman usam o líquido como uma metáfora para a flexibilidade e adaptabilidade necessárias na vida, mas suas perspectivas são diferentes em alguns aspectos. Curioso isso. Enquanto a visão de Lee sobre a água representa uma estratégia pessoal para força e resiliência em meio aos desafios, o conceito de liquidez no amor de Bauman nos mostra a fragilidade e a incerteza dos laços humanos contemporâneos. E o pior é que ambos estão corretos.
Talvez a ideia de Bruce Lee de “ser água” ofereça uma interpretação potencialmente positiva de como podemos encarar nossos relacionamentos, aceitando que haverão mudanças ao longo do caminho. Nesse sentido, a capacidade de “fluir como água” significa manter a mente aberta, abraçar nossa vulnerabilidade e se adaptar às mudanças inevitáveis que o amor ou qualquer relação humana traz. A capacidade de mudar de forma, de se tornar a xícara ou a garrafa, é também uma compreensão de que a vida às vezes vai nos exigir isso.
Dito isso, e depois de tanto encher linguiça aqui, acho que o desafio para nós nesse maldito “mundo moderno” seja saber lidar com essa tensão. Encontrar uma maneira de “ser como água” em nossos relacionamentos, enquanto respeitamos a profundidade e o tempo necessários para que essas relações se solidifiquem. É preciso ter paciência e em vez de deixar o amor se tornar totalmente líquido e escorrer por aí, talvez possamos aprender a ser água com mais responsabilidade, criando relacionamentos que fluam, mas não se rompam.
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