Como Byung-Chul Han pode te ajudar a se livrar do vício em celular?
Aposto que você já sabe que o vício em celular é uma realidade que muitos de nós enfrentamos. A cada notificação, rolagem infinita ou vídeozinho de 30 segundos, somos puxados para um ciclo de consumo digital que parece inofensivo, mas consome tempo, atenção e até nossa capacidade de estar presentes. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han (quero muito trazer mais coisas sobre ele aqui para o site), com uma análise crítica da sociedade contemporânea que só ele possui, oferece algumas ferramentas conceituais que podem ajudar a entender esse problema e buscar caminhos para superá-lo. Em obras como A Sociedade do Cansaço e Psicopolítica, Han destrincha como o mundo digital molda nossas mentes e comportamentos, e suas ideias podem nos guiar para recuperar o controle sobre nossa relação com o celular. Se é que ainda há tempo.

O problema: a armadilha da hiperconexão
Vamos lá então: Byung-Chul Han argumenta que vivemos em uma sociedade de transparência e desempenho, onde somos constantemente estimulados a produzir, consumir e nos exibir. O celular, com suas redes sociais, aplicativos e notificações, é a materialização perfeita desse sistema. Ele nos mantém em um estado de hiperatenção, pulando de uma informação a outra sem espaço para reflexão profunda, numa espécie de crise da atenção: perdemos a capacidade de contemplação, de nos engajarmos em pensamentos ou experiências sem a mediação de uma tela.
Além disso, em Psicopolítica, Han explica como o neoliberalismo digital explora nossa liberdade. Somos incentivados a compartilhar tudo, a estar sempre conectados, mas essa liberdade é ilusória. Cada like, comentário ou vídeo assistido alimenta algoritmos que nos manipulam, mantendo-nos presos em um ciclo de dopamina. O celular não é apenas uma ferramenta; é um dispositivo que nos transforma em “empreendedores de nós mesmos”, sempre buscando validação e produtividade, mesmo que isso signifique ansiedade, cansaço e alienação.
O smartphone é o artigo de culto da dominação digital. Como aparelho de subjugação age como um rosário e suas contas; é assim que mantemos o celular constantemente nas mãos. O like é o amém digital. Continuamos nos confessando. Por decisão própria, nos desnudamos. Mas não pedimos perdão, e sim que prestem atenção em nós.
O vício em celular, portanto, não é só uma questão de falta de força de vontade. É um sintoma de um sistema que nos condiciona a buscar estímulos constantes e a nos sentirmos incompletos sem eles. Han nos convida a olhar para isso de forma crítica: o problema não está apenas em nós, mas na forma como a tecnologia é projetada para nos capturar.

Algumas soluções inspiradas em Byung-Chul Han
Para se livrar do vício em celular, podemos seguir alguns caminhos que vão além de simplesmente “desligar o aparelho”. A filosofia de Han diz mais sobre repensar nossa relação com o tempo, a atenção e a liberdade.
- Cultive a contemplação: Han valoriza o que chama de vita contemplativa, ou seja, a vida contemplativa, oposta à hiperatividade digital. Reserve momentos do dia para atividades que não dependam de telas, como ler um livro físico, meditar ou simplesmente observar o mundo ao seu redor. Por exemplo, experimente caminhar sem o celular e prestar atenção aos sons, cheiros e detalhes do ambiente. Isso ajuda a recuperar a capacidade de estar presente.
- Pratique o “não fazer”: Em A Sociedade do Cansaço, Han critica a pressão por produtividade constante. Ele sugere que o ócio criativo é essencial para a saúde mental. Tente estabelecer períodos de “não fazer”, onde você não precisa produzir ou consumir nada. Deixe o celular em outro cômodo por uma hora e dedique-se a algo simples, como desenhar, cozinhar ou até ficar em silêncio. Esse vazio é fértil e ajuda a quebrar o ciclo de dependência.
- Desconstrua a lógica da transparência: Han aponta que a sociedade digital nos incentiva a sermos transparentes, compartilhando tudo nas redes. Resista a essa pressão. Pergunte-se: “Por que sinto necessidade de postar isso?” ou “Estou usando o celular para fugir de algo?”. Reduza o tempo em redes sociais e desative notificações desnecessárias. Apps que limitam o uso, como bloqueadores de tela, podem ajudar, mas o mais importante é questionar a necessidade de estar sempre conectado.
- Reconquiste sua atenção: Han diferencia a atenção profunda da hiperatenção superficial. Treine sua mente para se concentrar em uma coisa de cada vez. Por exemplo, quando estiver conversando com alguém, guarde o celular. Ou, ao ler um artigo, evite abrir outras abas. Técnicas como a “Pomodoro” (focar por 25 minutos e descansar por 5) podem ajudar a reconstruir sua capacidade de concentração.
- Crie rituais analógicos: Han valoriza o que é tátil e físico, como contraponto ao intangível do digital. Incorpore rituais que não dependam do celular, como escrever em um caderno, ouvir música em um toca-discos ou cozinhar algo do zero. Esses momentos reconectam você com o mundo material e diminuem a dependência da tela.
“Com o título Vita contemplativa não deveria ser reconjurado aquele mundo no qual esta estava alocada originariamente. Ela está ligada com aquela experiência de ser, segundo a qual o belo e o perfeito é imutável e imperecível e se retrai a todo e qualquer lançar mão humano. Seu humor de fundo é o espanto a respeito do ser-assim das coisas, afastado de toda e qualquer exequibilidade e processualidade. A dúvida moderna cartesiana dissolve o espanto. A capacidade contemplativa não está necessariamente ligada ao ser imperecível. Justamente o oscilante, o inaparente ou o fugidio só se abrem a uma atenção profunda, contemplativa. Só o demorar-se contemplativo tem acesso também ao longo fôlego, ao lento. Formas ou estados de duração escapam à hiperatividade. Paul Cézanne, esse mestre da atenção profunda, contemplativa, observou certa vez que podia ver inclusive o perfume das coisas. Essa visualização do perfume exige uma atenção profunda. No estado contemplativo, de certo modo, saímos de nós mesmos, mergulhando nas coisas.”
O desafio de mudar
Mudar nossa relação com o celular não é fácil porque o sistema ao nosso redor, das empresas de tecnologia aos padrões sociais, é projetado para nos manter viciados. Han nos lembra que a verdadeira liberdade vem de resistir a essas estruturas. Isso exige autoconhecimento e disciplina, mas também uma crítica constante ao que nos é imposto. Pergunte-se: “Estou usando o celular porque quero ou porque fui treinado para isso?”.
Além disso, Han nos alerta para o risco de culparmos apenas a nós mesmos. O vício em celular não é uma falha pessoal, mas um fenômeno coletivo. Conversar com amigos, compartilhar experiências e até criar “pactos” para reduzir o uso do celular em grupo pode ser uma forma de apoio mútuo. A mudança começa individualmente, mas ganha força quando é coletiva.
Byung-Chul Han nos ajuda a entender também que o vício em celular é um reflexo de uma sociedade que valoriza a hiperconexão, a produtividade e a transparência acima do bem-estar. Devemos recuperar a atenção, o ócio e a contemplação como formas de resistência. Desligar o celular por algumas horas não resolve tudo, mas questionar por que ele nos controla e buscar práticas que nos reconectem com o mundo real é um primeiro passo. Ao fazer isso, não apenas nos livramos do vício, mas também construímos uma vida mais plena, menos fragmentada e mais autêntica.
Se você quiser explorar mais as ideias de Han, recomendo começar por A Sociedade do Cansaço ou experimentar pequenas mudanças, como um dia sem redes sociais. O importante é começar a perceber o celular não como um mestre, mas como uma ferramenta que você pode controlar.
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