Hunter Schafer, Zelda, e o Retrato Lamentável da Geração Atual da Internet
Quando a Nintendo anunciou, em 2023, que The Legend of Zelda ganharia uma adaptação live-action, a comunidade gamer ficou polvorosa. Nao julgo, eu também fiquei. Como sempre, muitos fãs da franquia, que há décadas acompanham as aventuras de Link e Zelda em Hyrule, começaram a especular sobre o elenco, o tom do filme e como a essência do jogo seria traduzida para as telas. Aqueles temas já conhecidos que a internet adora fingir que se importa. Acontece que, no final de maio de 2025, um rumor ganhou força: a atriz Hunter Schafer, conhecida por Euphoria e Jogos Vorazes, estaria sendo considerada para o papel de Zelda. Para variar, o que deveria ser apenas mais uma discussão sobre escalação de elenco se transformou em um espetáculo de polarização, revelando, mais uma vez, o retrato lamentável da geração atual da internet: uma mistura de paixão desmedida, intolerância velada e uma incapacidade crônica de dialogar.

Um Rumor, Muitas Vozes
A notícia, inicialmente compartilhada pelo scooper Daniel Richtman, sugeria que Schafer era uma candidata forte para interpretar a Princesa Zelda. Visualmente, a escolha faz sentido: a aparência etérea de Schafer, com traços delicados e uma aura quase élfica, remete à Zelda de Twilight Princess ou mesmo a versao de Breath of the Wild. Além disso, a atriz já demonstrou talento em papéis complexos e expressou entusiasmo pela franquia, revelando em entrevistas que cresceu jogando Zelda e consideraria “muito legal” interpretar a personagem.
“Eu jogava muito esse videogame quando era criança. É um jogo muito bom!”
No papel, tudo parecia alinhado: uma jovem estrela com carisma, experiência e uma conexão pessoal com o universo do jogo. Mas a internet, como sempre, não se contentou com a superfície. Rapidamente esse assunto descambou para um campo minado de debates sobre identidade de gênero, gerido por pessoas que nem sequer se importam com isso. Schafer, uma mulher trans, tornou-se o epicentro de uma controvérsia que pouco tinha a ver com seu talento ou adequação ao papel. Para alguns, sua escalação seria um aceno à diversidade. Para outros, uma afronta à fidelidade ao personagem. A polarização não é nova, mas a forma como ela se manifesta reflete um fenômeno cultural mais profundo: a internet atual transformou o diálogo em um campo de batalha, onde o mérito é frequentemente eclipsado por preconceitos e narrativas pré-fabricadas.


A Hipocrisia dos Fãs e a Cultura do Cancelamento
A controvérsia em torno de Hunter Schafer ecoa casos recentes, como a escalação de Bella Ramsey em The Last of Us. Ramsey enfrentou (e segue enfrentando) duras críticas por não “corresponder” à imagem idealizada de Ellie. Da mesma forma, Schafer foi alvo de ataques que, em muitos casos, mascaravam intolerância como “fidelidade ao material original”. Alguns comentários na internet sugerem Schafer para o papel de Tingle (um personagem cômico e excêntrico de Zelda), ou criticam a possível escalação com base em visões transfóbicas, ilustrando como o discurso muitas vezes despenca no campo do desrespeito.

Por outro lado, defensores da escalação celebraram a possibilidade com mais entusiasmo, destacando a semelhança física de Schafer com Zelda e sua capacidade de trazer profundidade à personagem. No Reddit, comunidades como r/lgbt aplaudiram a ideia, com usuários enfatizando que Schafer “parece a reencarnação de Zelda”. No entanto, até mesmo esses apoios muitas vezes caem na armadilha da polarização, tratando a escalação como uma vitória política, em vez de uma escolha artística.
Essa dicotomia revela a hipocrisia de ambos os lados. Críticos que alegam defender a “autenticidade” do jogo raramente oferecem argumentos substanciais sobre por que Schafer seria inadequada, enquanto defensores muitas vezes ignoram que a escalação de um papel tão icônico pode, sim, gerar debates legítimos sobre representação e fidelidade. O resultado é uma discussão estéril, onde ninguém realmente escuta o outro, e a arte, que deveria ser o cerne da conversa, fica em segundo plano.
O Espelho da Internet
Essa controvérsia de Schafer como Zelda é um microcosmo do que a internet se tornou, um espaço onde opiniões são amplificadas, mas raramente aprofundadas. A facilidade de postar um comentário ou compartilhar um meme faz com que reações impulsivas dominem o discurso. Como apontado em artigos da FandomWire e da IMDb, a crítica a Schafer muitas vezes ignora sua aparência e talento, focando em sua identidade de gênero como um obstáculo. Essa fixação reflete ainda uma tendência maior: a redução de pessoas e obras a caixas ideológicas, onde “woke” ou “tradicional” se tornam rótulos que sufocam qualquer análise umpoucomais matizada.
E aí entra uma enorme ironia cômica (e trágica): há indícios de que esse rumor pode nem ser verdadeiro. Fontes do That Park Place sugerem que a história foi impulsionada por agentes de Schafer, não por decisões oficiais da Nintendo ou da Sony, que co-produzem o filme. Se confirmado, isso adiciona uma outra camada interessante nessa novela: a internet se dividiu por uma especulação não verificada, gastando energia em uma batalha que talvez nem exista. É o retrato perfeito de uma geração que reage antes de refletir e que julga antes de compreender.

O Papel da Arte em Tempos de Divisão
The Legend of Zelda é uma de minhas franquias favoritas – e de muito mais gente também. A verdade é que essa história sempre foi sobre explorar o desconhecido, enfrentar sombras e encontrar equilíbrio entre coragem, sabedoria e poder. Zelda, como personagem, é mais do que uma princesa: ela é a encarnação da sabedoria, uma figura que transcende estereótipos e inspira gerações. Escalar Hunter Schafer poderia ser uma chance de honrar essa essência, trazendo uma nova perspectiva para um ícone cultural. Mas, para isso, o debate precisaria sair do pântano da intolerância e da vitimização.
A arte, como tento defender aqui na Olhe Novamente, tem o poder de nos fazer repensar o mundo. Um filme de Zelda deveria ser uma celebração dessa capacidade, não um campo de batalha para ideologias. Schafer, com sua experiência e conexão com a franquia, merece ser avaliada por seu talento, não por rótulos. Da mesma forma, entendo que os fãs têm o direito de questionar escolhas de elenco, desde que o façam com respeito e argumentos fundamentados.
A controvérsia em torno de Hunter Schafer como Zelda não é apenas sobre um filme. É sobre como escolhemos nos engajar com a cultura que amamos. Será que vamos continuar presos em ciclos de ódio e polarização, ou podemos aprender a olhar novamente para a arte, para os outros, para nós mesmos? A internet, com toda a sua potência, pode ser um espaço de diálogo, mas só se escolhermos ouvir antes de gritar.
E a sabedoria presente em Hyrule nos ensina que esse equilíbrio é possível, mas cabe a nós buscá-lo.
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