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Como enxergamos a IA através do Cinema – e por que isso pode ser um problema

Não tem jeito, né? IA é o assunto do momento. O avanço tecnológico e o crescimento bizarro de inteligências artificiais interagindo com as pessoas levantou uma porrada de discussões sobre a nossa relação com tudo isso, mas, também, um certo receio sobre o futuro. Não é a primeira vez que eu venho falar sobre isso aqui, escrevi sobre Cyberpunk e o futuro nesse texto aqui. Mas provavelmente não será a última vez também.

O futuro sempre foi um campo muito fértil para a imaginação humana. Faz parte da nossa natureza nos perguntarmos sobre ele e projetar coisas ali, ainda que nem sempre façamos isso de maneira saudável. Muitas dessas projeções vêm das coisas que consumimos e, quando o assunto é tecnologia, acho que a principal fonte são as ficções científicas. Quem nunca assistiu à algum “Exterminador do Futuro” e não se perguntou “uhmm…e se?”. A gente sempre correlaciona o que consumimos com a realidade de alguma forma. Desde os carros voadores em “De Volta para o Futuro” até às questões éticas e filosóficas como em Her e Ex Machina, o cinema de ficção científica vem há muito tempo dando forma às nossas percepções e expectativas sobre o que está por vir.

Só que tem um probleminha aí, não é? Nós temos a tendência de achar que sabemos como será o futuro: ambientes luminosos, assistentes autônomos e automatizados ou até mesmo carros voadores. Mas, ao mesmo tempo, isso não é exatamente o que a gente assiste no cinema? Como já disse Oscar Wilde: “A vida imita a arte mais do que a arte imita a vida”. Ou pior, tendemos a achar que estamos prontos para o futuro. Aiai…

IA no Cinema
Blade Runner 2049

De qualquer forma, como eu disse lá no meu texto anterior, à medida que a IA continua a evoluir rapidamente, muitas obras cinematográficas e livros de ficção passam a oferecer um espelho, como uma bola de cristal, refletindo sobre as nossas esperanças e medos, ao mesmo tempo que influenciam a nossa relação com nosso próprio futuro, impulsionado por essa mesma tecnologia. É um buraco quase que sem fundo.

O retrato da tecnologia através da ficção

Essas histórias nos introduzem a mundos onde, ainda que fictícios, estão baseados em possibilidades reais. Quando “De Volta para o Futuro 2” saiu em 1989, sua visão de 2015 incluía carros que voavam, painéis holográficos e sapatos automatizados. Ok, a gente pode até pensar que “ah, estamos em 2024 e não temos nada disso”, o que não é mentira, mas o fato é que “De Volta para o Futuro” conseguiu pegar a essência da progressão tecnológica e, de uma certa forma, inspirou as próximas gerações a pensar grande. Um feito honestíssimo.

IA no Cinema
De Volta para o Futuro 2

De forma parecida, alguns filmes da “era moderna”, ou simplesmente “filmes mais recentes”, exploram não somente o que ou como as tecnologias serão, mas também o que isso significa para a humanidade. Em “Her”, Spike Jonze oferece uma visão bem perturbadora sobre a IA. Apesar de ser um filme delicado e que diz muito sobre a solidão, o aspecto tecnológico aqui é assustador, pois ele pode muito bem acontecer atualmente. Na verdade, a relação entre Theo e Samantha é algo que, cá entre nós, já existe nos dias atuais e talvez de maneira tão doentia quanto.

Nessa história, Theodore é um escritor solitário que, após o término de seu relacionamento, se apaixona por um sistema operacional chamado “Samantha”. Samantha, por sua vez, evolui de uma assistente virtual para um ser profundamente emocional, gerando em Theodore sensações reais de amor e paixão por um ser que, na verdade, não existe. “Her” é um filme que discute bastante os pontos sobre a natureza do amor e das conexões, sobre como as relações humanas são gerenciadas em um mundo imerso em alta tecnologia. O filme apresenta um futuro onde a IA não é somente uma ferramenta para nos ajudar no dia a dia, mas também uma companhia, que pode substituir uma pessoa real. É uma visão sobre uma realidade onde a intimidade emocional está muito além da presença física, o que pode até parecer distorcer nossa noção de relacionamentos, mas é exatamente o que as Redes Sociais já fazem hoje em dia.

O impacto de “Her” está justamente em sua capacidade de ‘humanizar’ a IA, nos fazendo considerar as dimensões éticas e emocionais de nossa relação com a tecnologia. Ótimo filme.

IA no Cinema
Her

Por outro lado, o filme “Ex Machina”, dirigido por Alex Garland, apresenta uma narrativa um pouco mais preventiva. Em “Ex Machina” acompanhamos Caleb, um jovem programador que é convidado a ministrar o Teste de Turing em Ava, uma robô extremamente avançada que possui não somente alta inteligência, mas também uma noção de consciência que deixa a linha entre humanos e máquinas bem fina.

Não vou me delongar tanto sobre o enredo, já falei um pouco sobre esse filme nesse texto aqui, mas de maneira geral, “Ex Machina” vem alertar justamente sobre o que implica o investimento em robôs conscientes. Levanta pontos sérios sobre autonomia, controle e sobre a responsabilidade de quem desenvolve máquinas com esse nível de tecnologia. E olha, se tem uma coisa que todo filme de ficção científica concorda, é o fato de que brincar de Deus nunca acaba bem.

IA no Cinema
Ex Machina

Ok, tanto “Her” e “Ex Machina” são filmes maravilhosos e que trazem boas reflexões sobre o futuro em termos de tecnologia. E são apenas exemplos, existem muito mais e filmes tão legais quanto por aí. Mas acho que cabe um alerta aqui.

A linha entre a ficção e a ilusão

Cara, é legal e eu gosto bastante de enxergar filmes de ficção por perspectivas questionadoras, sabe? Querendo ou não, essas obras constroem nosso pensamento coletivo sobre Inteligência Artificial, além de mostrar o lado obscuro de tudo isso também, retratando os impactos negativos que a tecnologia também traz para o campo social. É uma relação de fascínio e medo ao mesmo tempo. E isso avança todo dia mais, de maneira mais rápida a cada vez, basta bater um papo com a Alexa ou a Siri no seu telefone e você vai perceber como a habilidade dessas inteligências de aprender e interpretar sistemas já está em níveis bizarros de avanço. Então, é legal ver como filmes como “Her” e “Ex Machina”, por exemplo, nos impulsionam a pensar de forma crítica sobre o papel da tecnologia, especialmente a IA, na nossa sociedade. Falar sobre isso chega a ser chover no molhado já que esses são receios já bastante discutidos atualmente, mas não quer dizer que só tiramos coisas boas desses filmes.

Ao mesmo tempo em que essas obras nos “alertam” e nos ensinam, elas acabam passando também a ilusão de que vamos perceber quando a IA começar a tomar conta da sociedade. Ainda que nos assustem às vezes com tamanha precisão sobre a realidade, esses filmes também trazem uma falsa sensação de segurança no sentido de que, querendo ou não, acreditamos que somos espertos o suficiente para perceber quando às coisas começarem a ficar Cyberpunk demais. Será que já não estão? Reflita você com você mesmo: você viu o ChatGPT chegando? Eu digo isso, pois, no geral, o que os filmes fazem em sua narrativa é levar a IA a um ponto de falha, onde ela fica descontrolada e começa a ameaçar os humanos, nos levando a questionar nosso próprio interesse sobre IA. Ou seja, só reclamamos quando ela não funciona do jeito que queremos. A realidade, no entanto, é que a verdadeira inteligência artificial é invisível aos nossos olhos e já é tida como certa, pois ela “funciona”. Aqui mora um grande perigo e o grande desafio sobre IA – será que a gente tem realmente observado esse avanço com sabedoria ou será que estamos apenas assistindo a filmes e séries de ficção e pensando “olha aí como pode dar merda”? Eu não tenho uma resposta muito otimista.

IA no Cinema
2001: Uma Odisséia no Espaço

Consumir histórias é importante e, para falar a verdade, talvez esse blog só exista por conta delas. Histórias têm um poder único de influenciar nossa percepção, de nos alertar, de tornar conceitos abstratos em coisas concretas e acessíveis, de reimaginar o futuro. O cinema especialmente possui dentro de si uma natureza especulativa que nos permite brincar com o futuro. E, como estamos em uma era definida pela tecnologia, o cinema é perfeito para estabelecer um diálogo sobre isso.

No entanto, não podemos nos esquecer de que o verdadeiro desafio com a IA é sua integração sutil e praticamente imperceptível em nossas vidas diárias. Não é sobre máquinas autoconscientes que falharam e tomaram conta do mundo, mas sim sobre a maneira como essas inteligências estão direcionando nossas ações e decisões de maneira invisível todo dia, escolhendo o que assistimos, o que comemos, como nos vestimos e em quem devemos votar. O desafio está em usar a tecnologia de forma construtiva ao invés de cair na armadilha do consumo passivo.

Meu único medo é que talvez essa guerra a gente já tenha perdido.

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Material de Referência

1 – Her (2013), Spike Jonze (https://www.imdb.com/title/tt1798709/)

2 – Ex Machina (2014), Alex Garland (https://www.imdb.com/title/tt0470752/)

3 – “What Back to the Future Part II says about our future today”, The Sidney Morning Herald (https://www.smh.com.au/technology/what-back-to-the-future-part-ii-says-about-our-future-today-20151020-gke335.html)

4 – Teste de Turing, Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Teste_de_Turing)

2 comentários sobre “Como enxergamos a IA através do Cinema – e por que isso pode ser um problema

  • Uauu parabéns!
    Olha confesso que esse tema sempre gerou um pouquinho de medo em mim. Não saber ou ter controle sobre os impactos de avanços tecnológicos é de certa forma assustador. Ainda mais nos dias de hoje onde toda nossa vida está a um clique de ser facilitada com home office, compras online, contas digitais…
    Por um lado eu acho incrível, ajuda muito. Porém, também apresenta seus impactos, acho que em relação às conexões humanas isso se mostra mais evidente. Em uma sociedade cada vez mais solitária o avanço tecnológico serve como um “prato cheio” para tapar os buracos emocionais. O filme Her mencionado já demostrou isso de forma certeira.
    Enquanto estava lendo seu texto me lembrei de outro filme muito interessante também sobre um recorte na vida do escritor David Foster Wallace. Tem uma parte que o protagonista está pensando em sair do planeta com os avanços da tecnologia, perguntam o porquê e ele responde: porque a tecnologia vai melhorar e vai ficar cada vez mais fácil, conveniente e prazeroso ficar sozinho com imagens em uma tela de pessoas que não nos amam e só querem nosso dinheiro. Tudo bem em doses pequenas, mas se esse for o ingrediente principal da sua dieta você vai morrer de uma forma significativa.
    A propósito se vc não assistiu esse filme eu recomendo!! O nome é O Final da Turnê (2015).

    Abraço

    Resposta
    • Oi, Jordana! Acho que compartilhamos do mesmo receio hahah, o maior impacto desses avanços com certeza estará nas relações humanas. Já está na verdade. Obrigado pelo comentário e pela recomendação de filme, irei assistir com certeza!

      Um forte abraço!

      Resposta

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