Pode a arte prever o futuro?
Uma coisa que eu sempre achei legal na internet são os memes a respeito das “previsões” que Os Simpsons fazem em seus episódios sobre o futuro. Obviamente, isso não passa de um viés de confirmação, já que a série esta no ar há muitos anos e já cobriu uma gama enorme de tópicos e cenários, então não surpreende (ou não deveria surpreender) o fato de que algumas piadas ou histórias possam parecer que foram “previsões” de algo no futuro.
Os escritores e criadores de Os Simpsons muitas vezes se inspiram em eventos atuais e na cultura pop e usam a sátira e o humor para comentar sobre esses tópicos. Às vezes, alguns eventos da vida real podem se assemelhar a algo que já foi retratado na série, mas isso com certeza não é evidência de previsão nenhuma.
Bom, não deixa de ser engraçado (ao menos para mim), mas também não quer dizer que não possamos discutir o papel da arte na nossa interpretação da vida.
“A arte é a autoexpressão lutando para ser absoluta.”
Fernando Pessoa.
No século 19, Oscar Wilde escreveu em ‘The Decay of Lying’ que, “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”. Isso resulta não apenas do instinto imitativo da vida, mas do fato de que o objetivo autoconsciente da vida é encontrar expressão, e que a arte oferece formas belas através das quais ela pode atingir isso.
De acordo com esse pensamento, as pessoas são moldadas pelos ideais e conceitos artísticos que encontram, que por sua vez afetam a sua compreensão da realidade. Ou seja, o que as pessoas encontram na vida e na natureza não existe – o que as pessoas encontram é, na verdade, o que os artistas as ensinaram a encontrar através da arte. Então, a vida imita a arte ou a arte imita a vida?
Partindo desse raciocínio, pode a arte prever o futuro?
Moldados pela arte
Bom, não tenho a menor intenção de trazer nada sobrenatural ou revolucionário aqui. Na real, o conceito de Wilde implica que a arte tem o poder de moldar o comportamento humano e as normas sociais, influenciando assim a direção do futuro. Isto pode até levar à questão de saber se a arte pode de fato prever o futuro, mas embora isso não seja diretamente possível, ela pode oferecer insights sobre a consciência coletiva, os valores e as tendências de uma sociedade durante o período em que foi criada. Estes elementos podem então influenciar as escolhas e os rumos que a sociedade tomará no futuro.
Em essência, Wilde sugere que a arte é uma força dinâmica e poderosa que interage com a sociedade de forma recíproca. Ela reflete e molda a cultura da qual ela foi criada. Esse conceito também é belamente encontrado nas falas da incrível Nina Simone, que morreu em 2003. Seu legado vai além de suas músicas, trazendo também bastante significado à discussão proposta nesse texto.
“O dever de um artista, no que me diz respeito, é refletir os tempos. Acho que isso vale para pintores, escultores, poetas, músicos. No que me diz respeito, a escolha é deles – mas escolho refletir os tempos e as situações em que me encontro. Isso, para mim, é meu dever. Neste momento crucial de nossas vidas, quando tudo está tão desesperador, quando cada dia é uma questão de sobrevivência, não acho que você possa evitar se envolver.
Os jovens – negros e brancos – sabem disso, por isso estão tão envolvidos na política. Nós moldaremos e moldaremos este país, ou ele não será mais moldado e modelado. Como você pode ser um artista e não refletir sua época? Essa, para mim, é a definição de artista.”
À medida que a sociedade evolui, também evolui a sua arte, e esta conversa contínua entre arte e sociedade continua a moldar o curso da história humana. Legal, né? Mas como é isso na prática?
Frequentemente nos deparamos com obras que parecem ter “previsto o futuro”, mas é importante notar que a influência da arte na sociedade é muitas vezes mais complexa do que imaginamos. Por mais que algumas obras possam parecer prever certos desenvolvimentos do futuro, isso é mais resultado da observação atenta do artista das tendências de sua época e da sua capacidade de expressar essas observações de uma forma criativa e instigante.
Geralmente esses artistas, sejam escritores ou diretores de filmes ou séries, abordam temas que permanecem relevantes em diferentes períodos da história. Por exemplo, o livro “1984 ” de George Orwell previu muitos aspectos de vigilância, autoritarismo e manipulação de informação que são relevantes na sociedade até hoje. Na verdade, é até bem assustador ler esse livro nos dias atuais devido à similaridade enorme que existe na vida contemporanea e no que Orwell escreve em sua distopia. Da mesma forma, filmes como “Blade Runner” levantaram questões sobre as implicações éticas da tecnologia avançada e a linha tênue entre a humanidade e a inteligência artificial, questões que também enfrentamos hoje.
Isso demonstra como a arte pode pré-configurar certas conversas que evoluem ao longo do tempo.
A arte inspirando mudanças
Diante disso tudo, podemos considerar que a arte não prevê eventos específicos, mas ela pode inspirar mudanças e orienta a trajetória da sociedade. Vamos pegar, por exemplo, as obras de Vincent van Gogh, cujas pinturas vívidas e, principalmente, emocionais transformaram o mundo da arte. Seu uso inovador da cor e de outras formas desafiou os padrões e lançou as bases para futuros movimentos artísticos.
As pinturas de Van Gogh não apenas revolucionaram a arte, mas também tiveram um impacto cultural amplo. O expressionismo, por exemplo, foi fortemente influenciado pelo estilo de Van Gogh, que enfatizava a expressão individual sobre uma representação objetiva. Hoje, suas obras são reconhecidas em todo o mundo e são altamente valorizadas. Seu impacto na arte moderna e contemporânea é inegável, e muitos artistas subsequentes encontraram inspiração em sua abordagem expressiva. Suas pinturas ainda são estudadas e apreciadas por seu papel fundamental na evolução da arte. Portanto, fica claro como a arte pode transcender sua época e inspirar mudanças duradouras.
A arte molda o futuro!
A reflexão de Oscar Wilde de que “a vida imita a arte” é uma observação excelente do impacto da expressão artística na sociedade. A arte não é apenas um espelho que reflete a sociedade, mas também uma fonte de inspiração que impulsiona a evolução cultural e social. Quando os artistas capturam as complexidades da vida humana, eles não apenas espelham o que já existe, mas também provocam novas ideias, questionam valores estabelecidos e incitam a imaginação.
Muitos movimentos sociais, como o feminismo e o ativismo pelos direitos civis, foram influenciados e apoiados por expressões artísticas, desde literatura até música e cinema. Isso pois a arte tem o poder de sensibilizar, mobilizar e unir pessoas em torno de causas importantes.
Um exemplo legal é uma pintura de Leah Larisa Bunshaft, “Pintura de Marionete”, que retrata uma cena em que uma menina-boneca, em meio a um cenário urbano caótico, expressa tristeza e exaustão, simbolizando as restrições impostas às mulheres pela sociedade. A obra denuncia as condições de “escravidão” enfrentadas pelas mulheres, que muitas vezes são limitadas em suas escolhas e destinadas a papéis pré-determinados.
Embora a arte não possa prever eventos específicos, ela pode moldar nosso futuro ao nos ajudar a imaginar possibilidades e a refletir sobre as consequências de nossas ações. Ela oferece um espaço para a experimentação de ideias, cenários e visões alternativas de mundo, o que, por sua vez, pode influenciar as decisões que tomamos em nossa vida cotidiana e na construção de sociedades mais justas e igualitárias.
Se pararmos para observar bem, vamos ver como a arte é uma força que está em constante evolução, se adaptando aos tempos e às necessidades da sociedade. Ela abrange uma ampla variedade de formas, desde pintura e escultura até música, literatura, cinema e performance. Essa diversidade permite que abordemos diferentes questões de diferentes maneiras e alcancemos públicos variados, mantendo a arte relevante e influente ao longo do tempo.
A história da arte é inseparável da história da humanidade e eu espero de verdade trazer muito mais dela aqui para a Olhe Novamente. Desde as pinturas nas cavernas pré-históricas até as obras contemporâneas, a arte tem sido fundamental na jornada humana, registrando nossas experiências, aspirações, desafios e triunfos, e se tornando um testemunho da nossa evolução como espécie.
Pode a arte prever o futuro? Não. A arte faz o futuro!
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