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Redes Sociais e a Nova Prisão Invisível: Platão Estaria Chocado

Estamos todos sentados na caverna, de frente para a parede.

É só mais uma tarde de quarta-feira, e você está rolando o feed há três horas. Talvez tenha começado com um vídeo curto de culinária ou esteja assistindo uma garota aleatória cortando um abacate em sua cozinha iluminada pelo sol, minimalista, e com a voz mais suave e calma do mundo. Ou, ainda, tendo inspirações de look: blazer oversized, micro-saia, roupas coloridas. Você nem gosta de roupas coloridas. Mas, antes que perceba, sua página “Para Você” te puxou para um fluxo frenético de rotinas de academia, afirmações matinais, desabafos traumáticos, soft porn, monólogos de dois minutos sobre términos, encontros, dentre outras infinitas possibilidades.

Tem sempre alguém chorando, sempre alguém dançando, sempre alguém sussurrando. O algoritmo observa, aprende, recalibra. Você desliza de novo.

Redes Sociais

A Alegoria da Caverna de Platão é ensinada em salas de aula de filosofia há séculos. Um grupo de pessoas está acorrentado dentro de uma caverna, forçado a olhar para a parede. Estão ali desde o nascimento. Atrás deles, marionetistas projetam sombras na parede com a ajuda de uma fogueira. Isso é tudo que os habitantes da caverna conhecem — essas sombras. Essa é a realidade deles. Até que um deles escapa, tropeça na luz do sol e percebe que as sombras nunca foram a história completa. Eram apenas reflexos de algo muito mais complexo, muito mais real.

Alegoria da Caverna

Existe um paralelo óbvio a ser feito aqui. As redes sociais, com toda a sua glória frenética e viciante, tem sido a nossa caverna. Uma parede de sombras em movimento, manejada por uma mão invisível. Só que agora, as sombras são em 9:16 e estão sempre se mexendo. E o mais difícil de admitir é isso: a gente não quer sair.

É aqui que vivemos agora.

Dizer que qualquer rede social é uma plataforma seria um até eufemismo. É um mundo, uma cultura, uma linguagem, uma identidade, um mercado. Mas, acima de tudo, é um espelho. Só que esse espelho está sempre mudando, sempre tentando adivinhar o que você quer ver, o que você quer ser, antes mesmo de você saber. Em algumas manhãs, ele reflete uma versão melhor de você, mais polida, mais confiante. Outras vezes, ele mostra alguém completamente diferente e te diz: seja mais assim.

Estamos constantemente nos reinventando em resposta ao que vemos, só que fazemos isso várias vezes por semana. Uma nova estética, uma nova microtrend. Clean Girl na segunda. Mob Wife na sexta. Cada uma prometendo algo a mais: uma identidade mais clara, um senso de pertencimento, uma forma de ser vista. Mas isso é liberdade ou só mais uma corrente?

As redes sociais sao a nossa fantasia hiper-real do presente. Tudo é autoconsciente, mas nada é sincero. Cada ato de rebeldia parece mais uma mudança de marca. Mesmo as confissões mais íntimas são calibradas para likes, compartilhamentos e, se Deus quiser, um belo contrato de patrocínio.

Redes Sociais

Criticamos a plataforma enquanto a usamos para nos criticar. É ativismo, é performance, é comédia, é capitalismo. Também é o único lugar onde muitos de nós sentimos que existimos.

Veja como o TikTok lida com identidade, por exemplo. O TikTok incentiva uma metamorfose constante. Você pode ser feminista, redpill, grunge, evangélico, corporativo, descalço ou selvagem no mato – tudo na mesma semana. Mas o que acontece quando essa multiplicidade deixa de ser libertadora e começa a paralisar? Quando sua noção de “eu” é sempre construída a partir das coisas que você viu e curtiu?

Não é que o TikTok te torne falso. Ele te torna fragmentado.

Redes Sociais

O mais insidioso dessa nova caverna é o quanto ela é convidativa. Pelo menos a caverna na alegoria de Platão era sombria – fria, cinza, sem vida. A caverna das redes sociais é aconchegante. Ela vibra com música e te faz sentir que você pertence à algum lugar. Mas, nesta caverna, suas correntes são feitas de curiosidade e conforto. Você não quer escapar. Você nem acha que está preso. Você está só “fazendo pesquisa” para sua próxima fase. Está só “se atualizando”. Está só sendo visto.

Ou será que não?

A socióloga Sherry Turkle disse uma vez que estamos ficando “melhores em conexão, mas piores em conversa”. Isso foi antes do TikTok. Agora, somos melhores em performance, mas piores em presença. Gravamos momentos para lembrar deles, mas só lembramos da versão que viralizou. Rolamos pela vida como se fosse o filme de outra pessoa. Porque, de certo modo, é mesmo.

E talvez seja por isso que continuamos deslizando. Porque parar significaria encarar um silêncio que parece insuportável. Sentar à luz do dia sem distrações. Imaginar como é nossa aparência sem filtros, sem edições, sem hashtags. Talvez sair da caverna seja admitir que já não sabemos mais quem somos, não porque estivemos escondidos, mas porque estivemos visíveis demais por tempo demais.

Então, onde isso nos deixa?

Talvez a questão não seja se estamos presos, mas se queremos ser livres. Porque sair da caverna significa perder o conforto da certeza, o brilho da novidade, a dopamina da atenção. Significa parar de terceirizar sua identidade para um fluxo de clipes de 30 segundos. Significa fazer o trabalho lento e assustador de perguntar: o que eu gosto quando ninguém está vendo? Quem eu sou quando não estou performando?

Não é fácil. Nunca foi. Mas talvez essa seja a verdadeira rebeldia, não a estética, não o algoritmo, nem o look, mas o ato de sair e ousar olhar para algo que não foi feito para você, não te favorece, e não se importa se você vai clicar. Esse é o momento em que você coloca o celular de lado.

E é o momento em que percebe que a caverna nunca teve uma porta. Só espelhos.

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