O Caos Ensolarado de Licorice Pizza
Licorice (ou alcaçuz, em português) é uma planta, Glycyrrhiza glabra, conhecida por sua raiz doce e aromática, usada tanto na culinária quanto na medicina. A raiz de alcaçuz contém um composto chamado glicirrizina, que é responsável pelo seu sabor doce característico, sendo muitas vezes mais doce que o açúcar. Pizza…bom, voce sabe o que é pizza, todos sabem. Pizza de Licorice—alcaçuz e pizza—seria, portanto, como uma combinação de dois sabores excêntricos que, isoladamente, fazem sentido, mas juntos deixam você confuso, intrigado e levemente desconfortável. Não é algo que você pediria no cardápio, mas também não consegue parar de pensar nisso depois que aparece. Não precisa ser lógico, não precisa ter um propósito claro, e, sinceramente, essa é a graça.
Se eu tivesse que explicar minha relação ideal com o filme Licorice Pizza, acho que seria algo como encontrar um crush antigo em uma feira de livros qualquer: um toque de nostalgia, um sorriso ao lembrar de algumas peculiaridades do passado, e depois seguir em frente sem trocar números. Não consumiria meus pensamentos, não me faria cair em arrependimento, nem exigiria uma segunda assistida. Apenas uma lembrança que fica onde deveria ficar —nas margens da vida. Ninguém precisaria analisar se a representação de uma época específica é precisa, nem se engajar em discussões exaustivas e desnecessárias sobre diferenças de idade. Ninguém, e aqui me refiro a mim mesmo, precisaria se sentir dividido. Por exemplo: um amigo me disse que gostou do filme, mas não sabia se deveria gostar, o que, honestamente, é o comentário mais Licorice Pizza possível.
O filme é também uma homenagem bonita de Paul Thomas Anderson ao Vale de San Fernando dos anos 70, o que faz dele menos uma história coesa e mais uma série de vinhetas costuradas por vibes, charme e, de vez em sempre, uma decisão questionável. Licorice Pizza é frequentemente rotulado como uma “comédia/drama”, em vez de uma “dramédia”, e essa distinção pode ser sutil, mas chega a ser importante: são duas experiências diferentes sentadas desconfortavelmente lado a lado. No geral, Licorice Pizza não é hilário nem devastador. É um filme que simplesmente… existe.
No coração dessa história está a conexão interessante entre Alana (Alana Haim), uma jovem de 25 anos, desiludida e meio perdida na vida, e Gary (Cooper Hoffman), um “empreendedor” adolescente de 15 anos, cheio de confiança, que é cativante e também irritante às vezes. O fato de Alana, uma jovem adulta no Vale dos Namorados Infindáveis™, ser puxada para a órbita de Gary realmente desafia a lógica, mas Paul Thomas Anderson não está interessado em lógica. Ele está interessado no caos humano e nas forças invisíveis e peculiares que nos conectam. Não assistimos aos filmes dele em busca de clareza ou moralidade, eu pelo menos não os vejo assim. É mais sobre o que chamamos de “caos ensolarado” e suas tomadas emocionais e longas. Licorice Pizza está cheio disso: Alana dirigindo um caminhão como se sempre tivesse feito aquilo, Gary correndo sem parar por uma rua suburbana como se o destino do mundo dependesse disso, os dois existindo em um estado de “será que vai ou não vai?” que é, ao mesmo tempo, emocionante e desconfortável.
Uma coisa leva à outra: Gary recruta Alana para seu negócio de camas d’água. Alana tenta (e falha) se inserir no círculo de um político local. Os dois se envolvem em uma sequência completamente bizarra com Bradley Cooper interpretando uma versão insana do produtor Jon Peters. Tudo assim, meio que do nada, sabe? O filme não se constrói para nada, ele simplesmente vagueia, se aproveitando do seu próprio charme desleixado como se fosse só mais um episódio de uma série gostosa de se ver no fim da tarde. A dinâmica dos dois personagens, o jeito confiante e impulsivo de Gary colidindo com o cinismo de Alana, impulsiona o filme, mas também impede que ele se acomode em um registro emocional único.
Tudo deveria funcionar perfeitamente, mas, infelizmente, Licorice Pizza está determinado a fazer você se contorcer – assim como uma pizza com sabor de licorice também faria. A diferença de idade entre Alana e Gary talvez seja o elefante na sala, mas o filme não aborda isso diretamente, apenas acena levemente em sua direção. Por que essa relação é tão complicada? Pode ser uma metáfora para o desejo ou os desequilíbrios de poder que existem na nostalgia. Ou, talvez, seja apenas Paul Thomas Anderson dizendo que não se importa com o que você pensa. De qualquer forma, a conexão deles oscila entre doce e inquietante, assim como o próprio filme.
Talvez esse seja o segredo oculto de Licorice Pizza: é mais sobre capturar o sentimento estranho e gostoso de ser jovem e despreocupado do que sobre fazer sentido. É um filme onde a presença crua e elétrica de Alana Haim e o charme precoce de Cooper Hoffman coexistem em uma imperfeição perfeita. Haim, cheia de olhares incisivos e frustração contida, parece estar vivendo em um filme diferente (e melhor?) do que Hoffman, que encarna a confiança exagerada de Gary com uma facilidade impressionante. Juntos, eles são cativantes, mesmo que nem sempre confortáveis de assistir.
Como um complemento, o filme traz uma trilha sonora tão legal da época que quase funciona como um personagem por si só. Músicas de David Bowie e de Paul McCartney se misturam, criando uma trilha musical rica e vibrante. Por um breve momento, Licorice Pizza parece mágico, um sonho de juventude e liberdade. Claro, nem todo mundo vai gostar da dinamica central do filme, mas, mesmo que por um momento, é bom simplesmente estar ali. É o tipo de filme que faz você querer ligar para o crush antigo ou, talvez mais sabiamente, deixar a lembrança dele onde pertence. E se tudo parasse antes de começar? E se ficasse apenas como uma ideia, um caos ensolarado? Isso sim poderia ser algo especial.
Licorice Pizza é um filme especial.
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