Nota do Editor #3: Lynch.
Não me lembro da data exata, mas quando eu finalmente assisti a Cidade dos Sonhos, o filme já havia se tornado parte da cultura pop, com aquelas imagens surreais e teorias gerando debates na internet. Eu nunca tinha visto um filme de David Lynch, e por todo canto as pessoas pareciam querer me convencer de que, se eu gostasse de cinema, entenderia o hype em torno dele.
Acontece que, quando dei o play em Cidade dos Sonhos pela primeira vez, o que aconteceu foi nada menos que um pesadelo: personagens estranhos, linhas narrativas desconexas e uma sensação persistente de que eu era muito burro foram se enraizando dentro de mim. Aquilo não era apenas um filme. Era uma experiência. E, quando acabou, eu não tinha certeza do que tinha assistido, mas sabia que era algo totalmente diferente de tudo o que eu já tinha visto.
É difícil apontar exatamente o que torna o trabalho de Lynch tão bom. Seus filmes têm uma certa ambiguidade que exige múltiplas visões, forçando você a desenterrar desejos e até medos subconscientes que costumamos guardar bem no fundo. O gênio de Lynch está em sua habilidade de criar um mundo onde as regras da realidade não se aplicam, onde a beleza e o horror coexistem e onde a linha entre o sonho e a vida real é, digamos assim, borrada — na melhor das hipóteses. E o interessante no trabalho de Lynch é justamente como ele explora tudo isso. Medo, desejo, confusão, identidade — tudo é abordado das formas mais viscerais possíveis, deixando você com a sensação de que algo fundamental sobre a natureza humana está sendo revelado ali, mas que talvez você nunca consiga entender completamente.
Lynch não é um cara fácil de categorizar também. Seus filmes não se encaixam bem em gêneros, e eu diria que também não seguem as regras convencionais de narrativa. Talvez seja uma interpretação errada de minha parte, mas vejo-o como o tipo de diretor que desafia você a interpretar seu trabalho do seu próprio jeito, deixando mais perguntas do que respostas. Alguns podem dizer que ele é enigmático demais, que seus filmes são inacessíveis ou até pretensiosos. Mas aqueles que se permitem, aqueles que caem sob o feitiço de seus mundos estranhos, ficam completamente encantados.
O cinema de Lynch opera em sua própria lógica estranha. E ele está sempre nos desafiando de alguma maneira: a pensar sobre o que estamos vendo e ouvindo, a abraçar a incerteza, a se inclinar para o desconforto. Agora ele se foi e, bem, assim como muitos de seus filmes, eu ainda não entendi o porquê.
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