Animes

Em Death Note, Light Yagami é um Vilão óbvio: mas por que muita gente ainda finge que Não?

Quando eu assisti Death Note pela primeira vez, o anime era o momento. Hype incrível e uma história muito empolgante. Gostei bastante na época, pelo ritmo e narrativa, mas nunca mais revisitei. Depois de anos defendendo o anime, resolvi voltar a ele. Sou péssimo em reassistir coisas, então não foi exatamente a coisa mais fácil a se fazer, mas eu fui persistente, e depois de algumas pausas, dessa vez sem desculpas, sem “ah, perdi o interesse de novo”, eu fui até o fim.

E agora que terminei, com um novo olhar e outra cabeça para aquela história, fiquei com uma reação diferente:

Oi???

E isso não é com o anime em si – na verdade, continuo achando que Death Note é uma história bem sólida de protagonista-vilão. Minha reação está mais na forma como as pessoas ainda falam sobre ele.

O Anime em si: ótimo conceito, ritmo estranho

Vou ser honesto: pra mim, a história atinge o pico cedo. Se você prestar atenção, dá pra sentir os criadores correndo em direção ao final na segunda metade, e isso aparece. O ritmo aperta, as motivações dos personagens ficam mais nebulosas, e a tensão muda de um duelo psicológico para algo mais mecânico. Não ficou ruim, mas não teve o brilho do primeiro arco. Eu até cheguei a pensar se a equipe do anime enfrentou problemas de tempo ou orçamento.

Sobre o mangá, eu já ouvi várias coisas diferentes. Alguns dizem que o ritmo é mais suave, outros dizem que o anime reflete fielmente essa queda estrutural. De qualquer forma, Death Note começa como uma partida de xadrez cautelosa entre dois gênios e termina como um blitz com peças faltando.

Mas, de novo: isso não é o que mais me deixa mais incomodado. Vamos direto ao assunto.

Light Yagami: Como existe debate sobre isso?

O que me choca de verdade mesmo depois de tantos anos não é a reviravolta, nem o final, nem o lore: é o debate do fandom.

Existem evidentemente pessoas sensatas que entendem Light Yagami como um vilão, mas surpreendentemente ainda existe uma parcela boa de pessoas que acham que… ele não é?

Desculpa, mas… o quê? Em que planeta?

Estamos falando de um cara que:

  • mata pessoas com base em reportagens de TV e manchetes da internet
  • não tem como saber com certeza quem é realmente culpado
  • passa de matar “criminosos” para matar qualquer um que o incomode
  • manipula e descarta seres humanos como ferramentas
  • mata um agente do FBI e usa o caderno para forçar ela a um suicídio horrível e coagido
  • elimina investigadores que estão apenas fazendo o trabalho deles
  • desenvolve um complexo literal de Deus
  • acredita que discordância é igual a maldade

Gente, isso não é nem um anti-herói. Light não é incompreendido. Ele não é “duro, mas necessário”. Sem essa de “o mundo está podre”.

Light Yagami é um serial killer sociopata com um ego do tamanho de um pequeno planeta.

Alguns argumentos vão na linha Matsuda: “Mas o crime diminuiu!” Claro! No mundo fictício da história, onde o medo é tratado como um dissuasor perfeito e onde o autor enquadra intencionalmente seu impacto global como “eficaz”.

Mas mesmo assim, a lógica não se sustenta ao olhar mais de perto. Light mata baseado na cobertura extremamente pouco confiável da mídia, o que inevitavelmente leva à morte de inocentes, algo que o anime inclusive sugere. Ao mesmo tempo, o crime organizado e a corrupção política se tornam mais difíceis de detectar, a denúncia de crimes despenca porque denunciar passa a ser praticamente uma sentença de morte, problemas sistêmicos permanecem intocados, e qualquer pessoa que entenda como Kira escolhe seus alvos pode explorar isso para eliminar inimigos.

Isso não é justiça. É terror autoritário usando uma máscara de justiça.

Mesmo dentro da lógica do próprio anime, no momento em que Light mata o L falso (ou antes, dependendo de quem você perguntar) ele cruza o horizonte moral sem retorno.

Mas por que ainda tem gente que fica do lado dele?

E é aí que as reações ficam realmente interessantes. E aqui é mais uma opinião própria mesmo.

Muitos dão o benefício da dúvida ao Light porque ele é carismático, inteligente, tem um objetivo convincente, apresenta seus assassinatos como “pelo bem maior”, o anime intencionalmente mostra suas ações iniciais como limpas e calculadas, e a ideia de punição divina baseada no medo parece “eficaz” em um mundo ficcional simplificado.

Mas sabe o que eu realmente acho? Death Note atiça a mesma fantasia de “e se eu pudesse consertar o mundo com uma ferramenta perfeita?”.

Light é a personificação da ideia sedutora de que a violência se torna justa se você acreditar o suficiente que está usando-a do jeito certo. E muitas pessoas se deixam levar por isso.

Só que toda a história do anime é um alerta exatamente contra esse tipo de pensamento.

Não é um manual para utopia, é uma crítica ao ego, ao autoritarismo e ao mito da perfeição moral. Na verdade, já ouvi gente apontando que a série também é uma crítica discreta ao próprio sistema de justiça japonês, especialmente ao modo como mídia, polícia e opinião pública se misturam em algo perigosamente próximo de “culpado até prova em contrário”.

Light não salva o mundo. Ele distorce o mundo para refletir seus próprios preconceitos e inseguranças.

Então onde isso me deixa?

Dito isso, essa não é uma crítica ao anime em si. Death Note vale muito a pena. Mesmo com uma primeira metade magistral e uma segunda metade bagunçada, ele ainda consegue ser bastante envolvente (diferente dos debates morais do fandom, que são simplesmente insanos).

Light não é um herói e ele nem sequer é um anti-herói. Kira é o que acontece quando alguém se convence de que seu julgamento é infalível e que todos os outros são descartáveis.

E talvez o motivo pelo qual as pessoas discutem tanto sobre ele seja porque Death Note entende algo muito humano: a linha entre justiça e ego é mais fina do que queremos admitir.

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