Nota do Editor #7: O Mundial de Clubes da Fifa, o Europeu e o Sul-Americano
Confesso que o Mundial de Clubes da Fifa tem me surpreendido positivamente. Que torneio interessante! E que legal ver os clubes brasileiros indo tao bem nessa primeira fase. Aliás, na semana passada, quando Luis Enrique, técnico do Paris Saint-Germain, abriu a boca após a derrota por 1 a 0 para o Botafogo, ele jogou lenha numa fogueira que arde há décadas no coração do futebol sulamericano.
“Não sei por que os brasileiros, argentinos e sul-americanos estão tão preocupados se são melhores ou não que os europeus.”
Nao sei se ele percebeu o que disse mas, suas palavras, apesar de conter uma certa mistura de respeito e talvez incompreensão, escancaram um abismo cultural que separa o pragmatismo europeu da paixão quase mística que clubes, especialmente os brasileiros, dedicam ao Mundial. Some isso ao fato de que ele disse isso com a naturalidade de quem vê o torneio como um evento de meio de temporada, não como o ápice de uma narrativa épica. E é exatamente aí que reside o conflito: para ele, o Mundial é um detalhe. Para nós, é uma cruzada. Vamos falar sobre isso.

O comentário de Luis Enrique não é novo para ninguém, mas ainda assim é revelador. Ele reconhece a qualidade do futebol sul-americano, afinal, como ignorar os 154 brasileiros que, segundo ele mesmo, brilham nos gramados europeus?
“Estão cheias deles! São 154 brasileiros, não sei quantos argentinos. Claramente o futebol sul-americano é uma potência mundial”
No entanto ele questiona a necessidade de transformar o Mundial num tipo de guerra santa. Para o técnico do PSG, a presença massiva de jogadores sul-americanos nos elencos europeus já seria prova suficiente de que não há nada a ser comprovado. Ele vai além: elogia a defesa do Botafogo, chamando-a de “a mais sólida” que enfrentou na temporada, e admite a força tática e técnica dos alvinegros. Mas, mesmo assim, não consegue enxergar por que o torneio carrega tanto peso simbólico. E é essa miopia cultural que nos faz, sul-americanos, revirar os olhos e suspirar.
O Mundial, para clubes como Botafogo, Flamengo, Fluminense ou qualquer outro clube brasileiro/sulamericano, não é só um troféu. É a chance de olhar nos olhos do gigante europeu, rico, estruturado, com seus bilhões de euros e CTs de ponta e dizer: “Aqui nao! No campo, somos iguais”. É a oportunidade de reescrever, ainda que por 90 minutos, a história de um continente que, apesar de ser celeiro de craques, muitas vezes é tratado como coadjuvante nesse tabuleiro geopolítico do futebol. Quando o Corinthians venceu o Chelsea em 2012 ou o São Paulo bateu o Liverpool em 2005, não foi apenas uma taça erguida, foi um grito de resistência, uma afirmação de que o talento sul-americano, mesmo com menos recursos, pode vencer qualquer equipe do mundo.
Luis Enrique, no entanto, não parece entender essa camada – e, sinceramente? Nem sei se quer. Para ele, o futebol é um negócio globalizado, onde fronteiras se dissolvem nos passes de Neymar, Vini Jr. ou Messi. Legal. Ele vê o Mundial como uma competição de prestígio? Sim, mas não como o palco de uma batalha existencial. O pior é que, de certa forma, ele tem razão: os clubes europeus não carregam o mesmo peso emocional no torneio. Para eles, o Mundial é um bônus, não uma obsessão. A Liga dos Campeões é o verdadeiro graal, o torneio que define hierarquias e enche cofres. O Mundial? Uma viagem longa, um incômodo logístico, uma chance de rodar o elenco. Veja o que o técnico do Borussia Dortmund disse outro dia:
“Acho que, na América do Sul, esse torneio é visto de forma diferente do que na Europa. Para os sul-americanos, é algo muito grande. Sei que há uma grande euforia agora no Brasil, na Argentina e no México por causa do Mundial, muito maior do que na Alemanha e na Europa em geral, na minha opinião”
Mas é aqui que o olhar crítico entra em cena. A “crítica” de Luis Enrique, ainda que eu a trate como bem-intencionada, reflete um eurocentrismo bem sutil, aquele que assume que o futebol só é relevante quando validado pelos padrões do Velho Continente. Quando ele diz que os sul-americanos não precisam “provar nada”, ele ignora que a própria estrutura do futebol global, com suas desigualdades econômicas e narrativas midiáticas, força os clubes do lado de cá a buscar essa validação. Não é paranoia, é realidade. Quando a imprensa europeia trata o Mundial como secundário ou quando clubes como o PSG chegam ao torneio com menos fome que um Botafogo, o que resta aos sul-americanos senão transformar cada jogo numa final de vida ou morte?
Por outro lado, talvez seja realmente justo questionar até que ponto essa obsessão pelo Mundial também não nos prende a uma narrativa ultrapassada. O futebol sul-americano, com seus craques exportados e sua influência global, já não provou seu valor? Luis Enrique é um cara inteligente e um treinador que admiro. Seu olhar de fora pode nos fazer refletir sobre isso. Só que está na hora também de valorizarmos mais nossos próprios torneios, como a Libertadores, por exemplo e menos a aprovação europeia. Isso nao elimina o fato de que enquanto o Mundial existir, enquanto houver um Real Madrid ou um Manchester City do outro lado do campo, o coração sul-americano vai continuar batendo mais forte. Porque, para nós, não é só futebol. É história, é identidade, é revanche.

No fim, Luis Enrique pode até não entender. Mas o Botafogo, com sua defesa impenetrável e seu gol cirúrgico, deu a ele uma aula prática do que significa o Mundial para nós. E, quem sabe, na próxima vez, ele pense duas vezes antes de subestimar a paixão que move o futebol do nosso lado do Atlântico.
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